Ao abrigo
André Banha, Bruno José Silva, Mariana Dias Coutinho e Pedro Lira
Colectivo de Curadores NOVA FCSH | 2019-2020
Organizada pela NOVA FCSH e a EGEAC/Galerias Municipais, a residência Ao abrigo desenvolvida pelos artistas André Banha, Bruno José Silva, Mariana Dias Coutinho e Pedro Lira na raum: residências artísticas online, surge enquadrada no projecto final de curso do Colectivo de Curadores da Pós-Graduação em Curadoria de Arte da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade NOVA de Lisboa 2019-2020.
O desafio lançado aos artistas convidados foi o de expandirem a ideia de refúgio. Pretendeu-se, assim, que cada artista investigasse a possibilidade de imaginar o espaço exterior (público e urbano) a partir do espaço íntimo (o eu e a casa). No período pandémico em que a residência ocorreu, a proposta revelou-se intensificada pelo afastamento da esfera social, que nos levou, de forma redobrada, a construir o fora a partir de dentro.
Assumindo a plataforma online como um espaço não-habitado, a residência procurou criar refúgios ou espaços fechados num contexto sem dimensão e aberto como o digital. Dentro de um vazio em constante movimento, gradualmente redesenhado pelas obras realizadas, os lugares criados pelos artistas rompem, assim, com esse fluxo, gerando momentos de paragem pelos quais adentramos. Partindo deste modelo, as propostas artísticas realizadas foram pensadas especificamente para o meio digital, tendo os artistas desenvolvido mapeamentos do quotidiano, modelações de paisagens, cartografias de percursos ou registos visuais de texto, em diálogo com os web-designers da plataforma.
No âmbito deste projecto, o colectivo realizou também a exposição A cidade é a casa é a cidade é a casa, que decorre entre 5 de Setembro e 18 de Outubro de 2020 na Galeria Liminare.
Organizadores:
Pós-Graduação em Curadoria de Arte da NOVA FCSH, Instituto de História da Arte NOVA FCSH e Galerias Municipais/EGEAC
Curadoria:
Ana Bacelar Begonha, Giovana Jenkins, João Cristóvão Leitão, Mafalda Matos e Rebeca Goldstein de Mendonça
Coordenação de Curso:
Raquel Henriques da Silva e Sandra Vieira Jürgens
Coordenação de Projeto:
Sandra Vieira Jürgens
Textos:
Ana Bacelar Begonha, Giovana Jenkins, João Cristóvão Leitão, Mafalda Matos e Rebeca Goldstein de Mendonça
Produção:
Ana Bacelar Begonha, Joana Alemão, João Cristóvão Leitão, Mafalda Matos, Marisa Pinheiro, Patrícia Lima e Rebeca Goldstein de Mendonça
Programação Paralela:
Ana Bacelar Begonha, Giovana Jenkins, Mafalda Matos, Marisa Pinheiro, Patrícia Costa e Rebeca Goldstein de Mendonça
Comunicação e Imprensa:
Giovana Jenkins, Inês von Hafe Pérez, Joana Alemão, Leonor Bica, Luisa Tudela, Marcela Endreffy, Maria Mamourières e Nicoletta Pavese
Produtora Executiva:
Carolina Machado
Design:
V-A Studio
Agradecimentos:
Galerias Municipais/EGEAC, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Instituto de História da Arte NOVA FCSH, Junta de Freguesia do Lumiar, Fundação Millennium BCP, Emília Tavares, Liliana Coutinho e Sandra Vieira Jürgens
Parcerias:
André Banha, Bruno José Silva, Mariana Dias Coutinho, Pedro Lira, raum.pt, Sandra Vieira Jürgens e V-A Studio
Patrocinadores:
Escrever é pensamento
endereçado, nem sempre
compreendido ou aceite,
mas sempre consumido
Chegamos sempre
atrasados às nossas
questões profundas
escrevo
t
o
c
o
Há coisas que
não devem nunca sair
Palco de corpos
coreografados
O tudo nada é
corpo-mente / o corpo mente
Só o limite
dá consciência
a si mesmo
Serei sempre estranha
a mim mesma
O presente abocanhado
no próprio instante
O dentro do fora
Estou cheia
Não há significado
que não tenha uma fome
Escrever para
não esquecer
Ainda estás aí
Habitar a escritaMariana Dias Coutinho
Numa contínua e particular procura do que significa habitar, o ensaio aborda a escrita como lugar de refúgio, de liberdade e transformação interior. Carregado de múltiplas qualidades e potências, este lugar revela através da sua natureza, o processo do pensar e a condição de constante mutação da nossa existência.
Habitar este espaço, cultivar uma perspectiva integrada da vida, abraçar a potência da auto- reflexão são ferramentas para mergulhar numa dimensão mais íntima. Ocupado pela linguagem escrita, relacional entre o humano e a sua envolvente, constitui-se como um espaço que alimenta uma confrontação e concentração para o desbloqueio de uma possível compreensão do ser.
O descontentamento (aqui entendido no sentido de não submissão ao conformismo, ao convencional e à resignação) e o espírito individual de revolta, encontram nesta prática uma estrutura para processos de transformação.
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SIM, APESAR DE TUDONÃO
Stock ImagesBruno José Silva
Ao tentar abordar de uma forma simples o resultado de uma decisão consciente, proveniente de um sujeito que observa determinada paisagem, numa estética que tem como fim último o desaparecimento daquilo que foi anteriormente revelado, intenta-se, com uma curta reflexão de hipótese epistemológica, fundamentar uma análise consensual acerca da realidade tecnológica da imagem e do olhar. Dialogar sobre uma estética do desaparecimento numa era em que o paradigma é totalmente tecnocrata e a informação visivelmente denunciada, na qual o olho está directamente conectado com o ecrã, em que mutações líquidas e constantes do tempo, da velocidade e do espaço parecem determinar modos de olhar, os limites da percepção são questionados e sofrem consequentes alterações.
A percepção háptica - o espaço táctil - que reclama a necessidade do toque sensorial, está sob o indício de uma certa disposição reconhecível a priori, do pensar, do agir e do olhar; basta um touch numa superfície material: onde os efeitos sensoriais já são reconhecidos e identificáveis, para aceder a um banco de dados com uma dimensão de escala difícil de ter em conta. O projecto é ambicioso, terabytes de dados cartográficos organizados, localizações identificáveis, onde um clique inaugura uma nova inscrição no mapa do conceito de distanciamento e onde barreiras de globalização parecem ultrapassadas e agora invisíveis.
O sistema algorítmico é o novo agente, o que age, o que reage, o reconhecível e o identificável. A percepção, numa primeira análise, denuncia-se como conivente de uma automação na qual a realidade objectiva é transposta por uma visão artificial, onde o “artificial” tem múltiplas aberturas e gramáticas subjacentes; a criação de novos universos referenciais, todavia, numa teoria pessimista, o artificial pode ser o corpo dissidente e o entrave ao elogio do natural, uma constante mediação entre uma perspectiva in naturalis e uma perspectiva tecnológica totalizante. O sentido de posse e de super-individualização que a interacção tecnológica suscita pode ser previsível e padronizado - Nowadays I sensorilly detected little diferences between one and two.
Tendo em conta as linhas orientadoras de Paul Virillo, que assume uma posição pessimista relativamente à realidade homogénea de massificação tecnocrata, os corpos estão sujeitos a maquinarias de velocidade constantes e, ausentes de propósito concreto, são conduzidos ao desaparecimento pela indústria do aniquilamento, impulsionadora de uma programação tecnológica (a grande escala) do seu próprio acto de desaparecer, que em condições extremas, pode levar o sujeito ao esquecimento consciente enquanto percepção de-si. O acto de ver é o acto antes da acção, uma pré- acção dotado de uma energia potencial, cinemática também cinética. Neste caso concreto, o processo de decisão para olhar a imagem seguinte é uma quase como a continuidade de um projecto contraditório e auto-destrutível, pois ao promover o valor substancial e teorizar a paisagem, esvazia a especificidade e a sua inefabilidade. O acto de olhar a imagem é o risco perpétuo de a diminuir e desvirtuar.
Há um sublime negativo nesta estética do desaparecimento, ao mesmo tempo que se pretende inscrever uma imagem no tempo, arriscamo-nos a testemunhar o seu desaparecimento enquanto resultado daquilo que é visto. Inaugurar uma possibilidade é também inaugurar um novo acidente: neste caso - o seu desaparecimento.
Texto de Ana Libório
Agradecimentos
Ana Libório, Beatriz Vasconcelos, Carlos Cardoso e Raimundo Cosme
Nihil Utilius Sole et Sale
Em 1539, o povo de Perugia, revoltado com o aumento da carga de impostos, rebelou-se contra o governo papal no que veio a ficar conhecida como a "Guerra do Sal".
Estes eventos despoletaram uma grande repressão por parte do Papa Paulo III, que ordenou a construção de uma enorme fortificação em redor da outrora ensolarada Perugia, isto no ano de 1540. Estes eventos mudaram completamente a face da cidade e o povo perugino pagou um enorme preço.
Desde pequeno que a minha avó me ensinou a respeitar tanto o sal quanto o mar. Se derramar sal no chão, devo jogar um pouco por cima do ombro por forma a afastar o azar. Se o derramar é igualmente sinal de que gasto dinheiro desnecessariamente ou que num futuro próximo possa vir a perder dinheiro. O sal escorre no suor de quem trabalha para obter alguma coisa. Porém o sal não poderia ser mais barato do que o encontramos nas prateleiras do supermercado.
Viver em Itália tornou-se um tanto caro para a forma como eu escolhi viver. Esbanjo dinheiro, por vezes muito mais do que consigo fazer.
O refúgio somos nós
A concepção inovadora de refúgio do Instituto de Design (de Chicago) foi definida por seu foco nas necessidades humanas essenciais: refúgio, renovação, comunidade, natureza, conexão emocional e até inspiração.
Hoje, mais do que nunca – como era no Instituto de Design nos anos 1940 – o refúgio somos nós.
Alison Fisher, Harold e Margot Schiff
Curadores Associados de Arquitetura e Design
Il y a de la roquette, des asperges, des pommes, des coings, des marguerite, des amandes, des mûres et des poireaux sauvages.
Quando cá chegámos achamos isto pacato e natural. Na verdade pouca coisa mudou, só o dialeto, o caminho para casa, o ordenado e a maneira como partilhamos com os nossos vizinhos.
Esta cidade está sempre em obras. Sempre.
Quando fazes 10 quilômetros a ir, 10 quilômetros a vir, todos os dias, 6 dias por semana, de repente, a estrada torna-se um mapa milimetricamente estudado, sabido, identificado, sem quando nunca falhar o desenho feito pela largura dos meus pneus 28 x 700 da minha Gitane, e a partir daqui, é só estares atento ao que os outros fazem, tu, tu limitaste a voar.
A comunicação é um grosso modo uma inside joke.
Não sei se me sinto em casa cá ou lá, mas raramente me sinto estrangeiro a mim mesmo (finalmente).
Caril junto, oupa atrás de mim, eu disse junto, senta, Caril senta! Eu disse SENTA! Porque é que puxas tanto? E tu também menino Ollie, junto, podemos ir todos juntos. Larga isso Ollie e anda lá pra trás. Com calma, eu disse CALMA, vocês não entendem que podemos ir juntos? (Eu a falar com os meus cães).
Fuggerstraat - Zeemandroken Huis (mijn huis)
Ellermanstraat. Park Spoor Noord - Mijn achtertuin
Ankerrui. Hot Bos - Perfecte combinatie "Muziekshows en biologisch eten"
Hanzestedenplaats . Museum Aan de Stroom - Het beste uitzicht over de stad
Manifestação da religião afro-br
Umbanda ... Rainha do Mar
Nesta região foi o maior quilombo do Brasil o que já traz uma grande carga social...
...houve no início do século passado uma grande perseguição a quem abraçava as religiões de matriz africanas...
...muitos terreiros destruídos e muita gente assassinada...
...faz novamente parte da linguagem da cidade
"Parece que só é possível habitar o que se constrói." Bauen, Wohnen, Denken (1951) - Martin Heidegger, Tradução de Márcia Sá Cavalcante Schuback.
I didn't get to see as much of Italy as I would like to.
I think very few people can say otherwise.
I came here for a short term holiday and then decided to stay a bit longer.
It's been way over a year now.
Straniero
When within reach, I usually walk wherever I need.
I am not a very punctual person.
So I usually run everywhere.
Perugia is not a forgiving city in this matter.
But a couple of things do soften the burden of this lazy Sisyphus.
I always do the same streets.
I know exactly how much time it takes from A to B or B to C and so on.
Plus, I get my mind busy with what I have around me, always trying to sort out why I am interested in that particular element.
A 40-minute walk equals a peaceful early arrival.
A 30-minutes fast walk would do.
A 20-minutes run equals sweat.
A 17-minutes run equals big sweat and a sense of guilt.
A 12-minutes run equals devastation and a terrible sense of guilt.
Stronzo
Being unable to speak fluently the language made my adaptation much more difficult, reducing my chances of finding a better-suited job.
I wonder what is the connection between identity and the language barrier. Reboot, restart, reconfigure.
Regress, recess, reverse. How to express your thoughts with just 50 words?
Blending in was not on the menu.
The truth is I started as many other foreigners who have difficulty in adapting plus considering my past working experiences.
Lavapiatti
Perugia is a city built on top of a hill.
And it is surrounded by great plains.
Construction had in mind defensive strategy, not modern comfort.
Once its historical center was surrounded by a huge wall.
Sponsored by the Perugians taxes and ordered by Pope Paul III.
The construction was built as a form of repression and materialized a territorial strategy from the church.
A defensive wall built from many buildings thorned down and plenty of other buildings were closed and covered.
Layers on top of layers, a croissant.
A city that eats itself.
What are the differences between Defensive walls and Border barriers?
I wonder how many there are and which events led to their construction.
"ad coercendam Perusinorum audaciam." - "in order to bring to heel the audacious Perugini".
Firewall
One of the first places I visited here was the Saturnia terms.
I arrived pretty late in the night but that didn't shy me away.
In the morning, during my second swim, I found out that the nice warm waters were filled with tiny harmless red worms.
As I was rushing out of the pool I passed by 3 very nice old women who were peacefully doing just the opposite.
Disgusted and in a sort of a childish panic I understood a certain kind of cultural distance.
Vermi
The price for having such a random and unruled life is a weak bank account and terrible career management.
For someone who aspired to have a career in cinema and dreamed of building a studio where to work in its art projects, it is an incongruent way of progressing.
Scemo
Sometimes I feel that Russell Page must have had a tremendous interesting professional life.
I wonder what pushes people to take such pride in displaying or taking care of such small details that define their style.
If I close my eyes can I see it?
Do I have an updated notion of who I am and look?
Frozen image
"It's too early. I never eat December snowflakes. I always wait until January."
Is it too late to get fat for Christmas?
Curare
Pedro Lira
O desejo inicial quando li sobre o projecto foi o de interagir com a cidade onde vivo intervindo sobre certos espaços realizando instalações. Com o imaginário manifestamente inspirado por imagens de abrigos primitivos, em particular por uma imagem referente a um exercício levado a cabo no Institute of Design de Chicago (Arts & Architecture magazine, 07/1952, pág. 33). Numa segunda fase, a ideia seria completada com uma simples documentação fotográfica e como por milagre o trabalho estaria completo. Porém, optei por outra via, em resultado de diversas limitações de ordem pessoal e pública, por uma crença de que a natureza digital do projecto pedia um outro tipo de abordagem e igualmente motivado por uma segunda leitura da proposta apresentada.
Num segundo momento, o interesse centrou-se na condivisão da investigação e partilha do palco de acção com determinados amigos. Estes surgiram de uma relação de afinidade comum, pelo facto de todos estarem emigrados (eu incluído). Interessava-me uma abordagem plural da experiência de cidade e por extensão de refúgio. Numa multiplicação e extensão da minha própria forma de ver o projecto. Enquanto estrangeiros o tipo de relação que mantinham com o novo contexto onde se estabeleceram era adicionado, construído sobre experiências anteriores e sujeitos a um processo de adaptação e redescoberta de novos territórios, lugares. Interessava-me iniciar pela exploração destes elementos, pois considerava que seria extraordinário ter acesso a esses percursos e sensibilidades que compõem a paisagem individual, uma geografia única.
Interessava-me reunir e colocar em evidência um certo amalgamar vertical dessas anteriores e actuais geografias num único plano. Sendo estas traduzidas na forma como percepcionam o meio onde agora vivem, como definem e estabelecem novos lugares de referência, suas rotinas. De como sentem o espaço em seu redor, no estabelecimento de relações humanas, em uma palavra, experiência.
Por outro lado interessava-me materializar de forma gráfica uma imagem sintética dessa experiência, reunindo numa só imagem esses territórios pessoais, um cartograma. Dessa forma, foram realizados diversos mapas, não necessariamente exactos mas suficientemente precisos, de forma a permitir um melhor entendimento sobre a real extensão dos territórios que cada um efectivamente habita.
Algumas questões não desenvolvidas porém pertinentes para um completar do exercício seriam: Podem certos padrões adquiridos em diferentes contextos serem observados em novos territórios? O que obteríamos se as linhas resultantes de determinado percurso, num dado contexto fossem transpostas para um outro contexto? Será possível renovar-se simplesmente mudando de contexto, ambiente, lugar? Qual a relação entre o desenho e o modo como habitamos o mundo? De que forma o desenho é permeado por essa forma de habitar? Qual a relação existente entre pintura e uma saturação visual (das paisagens e imagens experienciadas)?
Durante este exercício foi-me possível desmultiplicar em diversas formas de ver e em alguma medida observar outras formas de habitar o mundo. Foi-me possível aceder a diferentes sensibilidades que não correspondem necessariamente de forma integral ao que verdadeiramente experienciam, mas que permitem o surgir de algo igualmente importante, a possibilidade de pensar sobre algo, um motivo motor.
O simples acto de desdobrar perspectivas implica um reajustar-se a uma nova forma de ver. Em si, desdobrar oferece um revelar a cada movimento, em cada gesto, a cada ângulo renovado. Esta multiplicidade interessa-me muito mais e assume-se como uma boa forma de chegar mais perto de qualquer coisa não inteiramente definida.
Sobretudo porque sinto de uma forma muito prosaica um certo desencanto em relação ao meu próprio rumo e ao meu modo de ver o mundo. O que me faz lembrar uma história que por vezes contava um caro professor acerca de uma freira que escrevia romances. E que ao lhe perguntarem porque escrevia sobre os outros respondia que a sua vida não era assim tão interessante. (Obrigado Fernando P.) O percurso sinuoso da sobrevivência compete directamente com o desejo da práctica artística. Os movimentos de resistência, por vezes, parecem-me dispensáveis e flácidos acessórios. Penso que foi o Gerhard Richter que disse que a arte era a mais “alta” forma de esperança, vá-se lá saber porquê.
O intuito aqui foi o de construir um trabalho múltiplo não concentrado numa só forma de ver, num só percurso, ou num só conjunto de escolhas ou formas de ser, estar, habitar, construir(-se) e que ainda assim houvesse espaço para a manifestação, o livre individual através da partilha da experiência actual, através da memória ou (sempre) ambas.
Que em cada um dos percursos aqui presentes, através do acto de desdobrar fosse possível aceder ao extraordinário evento presente no mais mundano dos acontecimentos, o acesso a uma experiência individual e única, o surgir de uma manifestação de individualidade.
Nesta fase do texto sinto que as palavras de um outro possam mais do que eu poderei descrever. Citando Roger Sansi no seu livro de 2015 "Art, Anthropology and the Gift" que me foi oferecido por uma cara professora.
"No seu inspirador texto "The Gift", Marcel Mauss afirmou que "On se donne en donnant" (Mauss 2003: 227), um doa-se enquanto se dá. Com esta expressão, M. Mauss afirmava que o indivíduo enquanto elemento social não é apenas uma mente individual e um corpo individual, mas que é constituído de uma composição de diversos elementos, incluindo corpos, coisas, nomes, que podem estar fisicamente separados mas que são em si, o mesmo." * (Obrigado Isabel B.)
Depois de todo este processo apenas posso considerar que o acto de habitar e o de construir são apenas um só.
"O refúgio somos nós"
* (livre tradução)
Gostaria de agradecer aos artistas que participaram neste projecto:
Bruno de Marco, Emma Jacobs, Francesca Farroni, João Franca, Kevin Claro, Miguel Figueira e Tiago Rocha
Para onde vai a água do meu telhado?André Banha
Água e casa são indissociáveis desde os primórdios da habitação – o homem sempre se tentou fixar perto deste recurso vital – e podemos observar esta simbiose até hoje; basta vermos mapas de qualquer lugar, de qualquer país.
As palavras água e telhado são complementares em Construção: por exemplo, o número de águas define a configuração do telhado num edifício – podendo ser de uma, duas, três, quatro ou múltiplas águas. Termos como águas furtadas ou Mãe de Água, fazem parte do nosso habitar.
Esta complementaridade materializa-se no meu processo de pesquisa, que se desenrola ao longo de um percurso. O mesmo percurso que faz a água (que cai, escorre, chove) do meu telhado.
Apesar de se tratar de um trilho inserido em meio rural – que cruza o seu caminho desde o emaranhado de um bosque até às franjas do montado, passando por linhas de água até ao grande lago – em que o contraste com o urbano, aparentemente, não podia ser maior, vamos estando (ou vamo-nos encontrando) cada vez mais isolados, embora envoltos de toda a paisagem. E aqui, há uma ligação muito forte com a sensação urbana de se estar só, no meio da multidão. Estamos também anónimos, dentro da paisagem. Sem que estejamos perdidos, encontramo-nos.
Especial agradecimento a Carmo Moser… a minha casa!
Bibliografia e referências
Vídeo 1: André Banha
Vídeos 2 e 8: REGO, José Lins do, A Casa e o Homem, Rio de Janeiro: Organização Simões, 1954.
Vídeo 3: MOLDER, Maria Filomena, Causas que Seguem os Efeitos ou Ameixas Doiradas com Orvalho – sobre Jaime de António Reis, in: VÁRIOS AUTORES, Descasco as Imagens e Entrego-as na Boca – Lições António Reis, Ramada, Documenta, 2020.
Vídeo 4: André Banha
Vídeo 5: FRY, Jane and Maxwell, Architecture for Children, London, George Allen & Unwin Ltd., 1944.
Vídeo 6: Heraclitus
Vídeo 7: SARAMAGO, José, Levantado do Chão, Lisboa, Editora Caminho, 1998.