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Speak outuma obra artística lúdica sobre migração com uma abertura radical ao Mundo

Terhi Marttila 1
Interactive Technologies Institute / LARSyS
FEUP / University of Porto / Portugal
[Faculdade de Engenharia / Universidade do Porto]
terhim@gmail.com

Patrícia Gouveia
Interactive Technologies Institute / LARSyS
FBAUL / Lisbon University / Portugal
[Faculdade de Belas-Artes / Universidade de Lisboa]
p.gouveia@belasartes.ulisboa.pt

Na obra interativa lúdica Speak Out, Terhi Marttila pede-nos que pensemos sobre como negamos o direito à palavra às pessoas que consideramos fora do nosso grupo, fora da nossa fronteira ou que supomos estarem nas margens. O olhar colonial desdenha aqueles que pensam de forma diferente ou que têm visões do mundo diferentes. Em contraste, o olhar pós-colonial renuncia àqueles que querem falar em nosso nome, impedindo-nos assim de dizer o que pensamos.

Enfrentar os problemas de discriminação relacionados com as fronteiras globais, segundo Walter D. Mignolo, significa abraçar uma mentalidade pluriversal e não universal 2. A pluriversalidade é um projeto universal de aceitação da diversidade e evita dicotomias, mentalidades dualistas e formas de pensar binárias3. Esta noção de pluriversalidade propõe múltiplos mundos possíveis para a vida num ambiente globalizado, com o objetivo de combater a asserção colonial de que os grupos subordinados são menos humanos do que os seus soberanos, portanto menos capazes de falar por si próprios 4.

Neste contexto, discursos emancipatórios, poéticos e políticos alternativos 5 não pensam na margem como um espaço periférico, de perda e privação, mas propõem a margem como um espaço de resistência, possibilidade e criatividade, onde novos discursos críticos têm lugar. Através de uma abertura radical ao mundo, estes discursos desafiam as fronteiras opressivas estabelecidas entre raça, género, sexo e classe, sugerindo que a opressão molda a resistência e que devemos prestar atenção às múltiplas visões sobre o mundo 6.

Ao abraçar a diversidade a democracia abre-se ao caos e ao risco, a múltiplas tensões, desejos, estados voláteis, uma consequência inerente à vida em liberdade. A antítese dualista, sugere Hans Jonas, não conduz a um aumento dos traços vitais ao concentrar-se num lado, mas sim à morte de ambos os lados, uma vez que foram separados do seu centro vivo. A exclusão da vida, na herança do dualismo, é uma ontologia da morte que tem uma dupla face e cria problemas insolúveis. 7 A vida liga os organismos ao ambiente numa miríade de formas, pontos, numa metáfora ou numa forma abstrata na obra Speak Out. Tanto o organismo como o ambiente formam um sistema que determina o conceito básico da vida. A vida tem, neste contexto, um comportamento integrador bipolar entre organismo e ambiente. 8

O que caracteriza os organismos vivos é a sua organização autopoiética. Diferentes seres vivos são distinguíveis porque têm estruturas diferentes, ainda que estas estruturas estejam organizadas da mesma forma, afirmaram os biólogos e investigadores chilenos, Maturana e Varela, observando que a fronteira é simplesmente uma membrana num processo dinâmico. 9 A vida e a compreensão distribuídas lembram-nos "que nós, enquanto grupo, podemos compreender algo que nenhum de nós, individualmente, poderia compreender plenamente". 10 Juntos podemos ajudar a construir uma visão partilhada com o objetivo de resolver os desafios humanos no planeta Terra. Numa abertura radical ao mundo, citando a visão de Achille Mbembe sobre descolonização, considera-se que a Terra pertence a todos e não apenas àqueles que a colonizaram. 11 Como compomos o "nós" num mundo global? Só podemos ajudar a mudar as coisas se tivermos o direito à palavra.

Quando o discurso nos é negado não temos voz, não podemos falar. Tornamo-nos marionetas num mundo fictício onde apenas aqueles a quem é atribuído o direito à palavra têm uma voz. Seguindo Mbembe, devemos desenvolver um novo corpo político que apele à responsabilidade na criação de um futuro sustentável, um guia de sobrevivência para reconstruir a vida em tempos de extremos.

A divisão geográfica entendida como fronteira ou membrana, diz-nos Grada Kilomba, pode distinguir entre um mundo superior ou inferior, o bom e o mau, o aceitável e o inaceitável, o nosso grupo e o grupo dos "outros", prevenindo o contágio ou a infeção. Para Kilomba, simbolicamente, a membrana que separa dois mundos recorda as luvas brancas que alguns tinham de usar quando tocavam o mundo branco. 12 As luvas brancas, como uma membrana ou uma fronteira, espaços ou ruas segregadas, ficções construídas sobre o contágio somático.

Os espaços de conhecimento também podem ser infetados por negações irónicas e cínicas. 13 Caroline Criado Perez sugere, "a ironia de excluir as vozes das mulheres quando tudo corre mal é problemática pois é precisamente nestes contextos extremos que os velhos preconceitos são menos justificados, porque as mulheres já são desproporcionadamente afetadas por conflitos, pandemias e desastres naturais". 14 As mulheres tendem a dominar as estatísticas morrendo mais em catástrofes naturais e, entretanto, as alterações climáticas estão a tornar o nosso mundo mais perigoso e suscetível a estas catástrofes naturais. 15 O processo de silenciar as vozes das mulheres está também bem vivo na academia do século XXI. Como Gina Rippon afirma, "as mulheres que trabalham no meio académico são muito mais propensas a auto silenciarem-se do que a falar ou a procurar ajuda, arriscando-se, assim, a um confronto". 16 Uma e outra vez, as pessoas não conseguem falar, tornando-se marionetas ou fantoches num mundo fictício ou de faz-de-conta. 17

Seguindo a abordagem histórica de Silvia Federici, no início do período moderno europeu e da América colonial, a caça às bruxas não destruiu a resistência dos colonizados. Devido principalmente à luta das mulheres, à relação dos índios americanos com a terra, às religiões locais e à natureza, sobreviveu à perseguição, e foi, durante mais de quinhentos anos, uma fonte de resistência anticolonial e anticapitalista. Isto é extremamente importante para nós, diz-nos a autora, numa altura em que um novo assalto aos recursos e ao modo de vida das populações indígenas está a ser levado a cabo em todo o planeta. Neste contexto, precisamos de repensar como os conquistadores lutaram para subjugar os povos que colonizaram e o que permitiu a estes últimos subverter esse plano e, contra a destruição do seu universo social e físico, criar uma nova realidade histórica. 18

Para isso, Terhi Marttila cria Speak Out, um brinquedo lúdico que convida a/o jogador/a a misturar corpos, pessoas, que quando juntos, como pontos soltos num ecrã mundo colorido, abrem um espaço de reflexão sobre possíveis formas de futuro para o bem de Gaia, a mãe Terra. Ser contemporâneo é não ter território ou ser trans territorial, um residente ou um estrangeiro em todo o lado. Há uma desmaterialização, e o estranho e o familiar tornam-se equivalentes numa busca incessante de habitar o inabitável. 19

A atual crise dos refugiados revela, segundo Byung-Chul Han, que a União Europeia (EU) não é mais do que uma união económica comercial que procura a sua própria vantagem, em oposição a uma construção racional, uma "aliança de povos" fundamentada, que defenda valores universais como a dignidade humana. Citando Kant, Han sugere que a EU se tornou um espaço neoliberal de comércio, incapaz de uma "hospitalidade" sem condições. 20

A voz, afirma Han, "é algo que retorna do outro mundo. (...) O que foi excluído e reprimido retorna como voz. (...) Numa sociedade em que a negatividade da repressão e da negação cedem cada vez mais lugar à permissividade e à afirmação, ouvir-se-ão cada vez menos vozes. Em contrapartida, cresce o ruído do idêntico." 21 As vozes, como fantasmas, vêm para nos assombrar e para nos lembrar que "a tarefa da arte e da poesia consiste em fazer com que a perceção deixe de espelhar, em abrir a perceção ao próximo que temos à nossa frente, ao outro, ao diferente." 22

Em Speak Out a voz ecoa através da máquina, como um murmúrio que permite aos jogadores enunciar possíveis frases que são transformadas em textos. Talvez um dia estas vozes possam deixar o espelho e as bolhas egoístas digitais e ser ouvidas como uma parede de desejos, vulnerabilidades e ansiedades. Porque nos preocupamos em ouvi-las, em ouvir o que elas nos dizem, e de uma forma paradoxal o espelho poderá transformar-se num portal aberto para uma pedra de murmúrios, contando-nos, em vez de segredos, enigmas.

Terhi Marttila começa com as seguintes questões de investigação artística: Alguma vez pensou como seria se nascesse em circunstâncias em que não pudesse mover-se para além do espaço fechado que lhe foi aleatoriamente atribuído à nascença? E se pudesse mudar o seu destino simplesmente refrescando a janela do navegador, clicando em (CtrlR)? Ou alterando as regras do mundo inteiro?

Tenhamos esperança que se possa criar uma humanidade diferente, oposta ao sexismo, ao racismo, à homofobia e à opressão de classes, recordando os desejos de bell hooks. 23 Uma humanidade que respeite os processos da natureza com humildade e integridade. Onde os seres humanos sejam capazes de se ouvirem uns aos outros sem gritar. Onde possamos cooperar e tirar partido das nossas diferenças com uma capacidade de abertura para ouvir as preocupações dos outros. Tenhamos apenas esperança, Fale! Speak Out!

Através do conceito de Osmose, um fenómeno natural que ocorre quando duas substâncias separadas por uma membrana porosa ou pouco permeável são obrigadas a misturar-se para alcançar o equilíbrio, e Difusão, um derrame natural de fluido, onde as partículas se misturam devido ao seu movimento aleatório e espontâneo ou, em substâncias dissolvidas, o processo de movimento de áreas de alta concentração para áreas de baixa concentração. Speak Out convida-nos a ver o mundo natural e a sua tendência para procurar o equilíbrio, a harmonia. Não é curioso que, na natureza, quando duas substâncias são separadas por uma estrutura divisória que apenas deixa passar certas coisas, algumas partículas sejam forçadas a passar para o outro lado para que o sistema fique novamente equilibrado (osmose)?

Para isso, coloca-se outra questão: poderia o movimento da humanidade, enquanto espécie, ser entendido como um acto do mundo natural para procurar o equilíbrio? Na natureza, as partículas misturam-se naturalmente umas com as outras devido ao seu movimento aleatório através do ar. Quando dissolvidas na água em forma líquida, as partículas são afastadas de áreas com muitas partículas para áreas com menos partículas e mais espaço, novamente impulsionadas pela necessidade do sistema procurar o equilíbrio (difusão).

Na deriva natural existe um equilíbrio entre o individual e o coletivo, na medida em que os organismos, quando acoplados estruturalmente em unidades de ordem superior, que têm o seu próprio domínio de existência, incluem a manutenção destas estruturas na dinâmica da sua própria manutenção. No reino animal, nada acontece em competição, mas em adaptação. 24

No livro de regras de Speak Out pode usar as setas do teclado para mover a sua peça (“Tu”), o seu avatar no sistema, e também pode clicar para criar lugares que sejam atrativos. Os lugares atrativos estão organizados de acordo com categorias abstratas como, por exemplo, oportunidade, amor, estudo, dignidade, liberdade, paz, exploração, uma vida melhor, e lugares mais mundanos como, por exemplo, uma oferta de emprego, a proximidade de um supermercado ou de uma florista, a acessibilidade de um pedaço de terra ou a existência de um espaço seguro. Se refrescar a página (Ctrl-R), reformula os dados, ou seja, pode jogar entre a situação dicotómica relacional: onde nasceste e para onde estás autorizado a mudar. Basta pressionar uma partícula para se saber o que ela procura.

Speak Out ressoa as palavras de Grada Kilomba, quando sugere que a abstração é, evidentemente, uma dimensão muito importante da produção de conhecimento, mas também pode ser problemática porque transforma em abstrações as experiências subjetivas do racismo quotidiano. Impõe uma terminologia abstrata sobre a experiência e, por isso, transforma as subjetividades em objetos. Assim, os relatos subjetivos podem contribuir para silenciar algumas vozes, objetivando-as em terminologias universais. 25

Em Speak Out de Marttila há seis passaportes diferentes de acordo com uma paleta de cores diversas: monocromático, análogo, complementar, fronteiras abertas, exílio e universal. Monocromático significa que o seu movimento está limitado ao local onde nasceu. Analógico significa que o movimento é permitido em zonas de cores semelhantes. Complementar significa que o movimento é permitido apenas para a zona oposta. Na Tríade, pode mover-se dentro de uma união de cores díspares. Fronteiras Abertas significa que o seu movimento não está restrito a nenhuma zona, pode jogar livremente. No Exílio é-lhe permitido ir a qualquer lugar menos a sua casa.

Esteja ciente de que, se quiser que algo mude, deve falar. Por isso, por favor, mantenha o botão Speak Out premido para gravar a sua fala. Verá o que vai dizendo aparecer no ecrã. A experiência está disponível em português e em inglês. Vamos jogar!



Livro de regras de Speak Out

Se a/o jogador/a não fizer nada o mundo de Speak Out enche-se simplesmente de partículas. Se a/o jogador/a clicar para criar sítios atrativos, vai observar um fluxo de partículas do mundo inteiro a tentarem deslocar-se até ao sítio construído. Mas só aquelas partículas que estão capazes de atravessar a fronteira vão conseguir alcançar o lugar criado. O jogador pode mudar as regras relacionadas com as fronteiras e tentar assim ajudar as partículas a alcançar o seu destino. Mas ao mudar as regras, serão afetadas todas as partículas do mundo. Assim, alguém que já estava contente com o seu destino, pode ser expulso deste. O jogador pode tentar satisfazer toda a gente, mas para isso terá de criar mais pontos atrativos e acessíveis com o controlo das fronteiras.

Ao atingir o seu destino, com os seus desejos satisfeitos, a partícula vai desaparecer do mundo, mas, como estão sempre a nascer novas partículas, Speak Out apresenta uma dinâmica de jogo impossível e infinita, pois estas novas partículas ambicionam sempre novos movimentos, outros destinos e satisfazer os seus desejos.

Notas sobre as necessidades técnicas de Speak Out

Esta obra faz uso do Web Speech API, que é um API experimental que daqui a alguns anos pode vir a ser integrado em HTML5. Por ser um API experimental, a maior parte dos browsers ainda não o implementaram. Por isso, esta obra só funciona na totalidade com Google Chrome Desktop. Os jogadores com maior desenvoltura tecnológica podem aceder à obra com uma versão mais recente de Mozilla Firefox, seguindo as instruções disponíveis aqui 26 .

As interfaces de voz estão lentamente a contaminar os nossos hábitos de interação com a tecnologia, muitas vezes na forma de assistentes como, por exemplo, o Google Assistant, a Siri (Apple), a Alexa (Amazon) ou a Cortana (Microsoft), entre outros. Estas interfaces de voz trazem preocupações ao nível da segurança dos dados pessoais uma vez que o áudio gravado pode ser enviado para os servidores das empresas para análise. As empresas referidas têm usado não só computadores para esse efeito, mas também recursos humanos para ouvir e transcrever manualmente o áudio capturado pelos utilizadores. O trabalho destes colaborares ajuda as empresas a refinar os seus algoritmos de reconhecimento de voz.

Isto é um problema pois as interfaces de voz acima mencionadas foram concebidas para estar sempre alerta e, por isso, quando ouvem palavras chave como, por exemplo, “OK Google...” ou “Alexa” os seus sistemas de gravação áudio podem ser ativados e assim uma pessoa pode acabar por involuntariamente ser gravada.

No verão de 2019 foram reportados vários casos deste tipo de violação da privacidade pelas maiores operadoras no mercado: apple 27 , google 28 , amazon 29 e microsoft 30 . Alguns jornalistas conseguiram ter acesso, através de colaboradores anónimos dessas empresas, que sentiram vontade de falar sobre esta vulnerabilidade, a várias gravações que acabaram por ser ouvidas para efeitos de transcrição. As gravações continham informações sensíveis como a morada, número de telemóvel, cenários da vida familiar e outras gravações de momentos privados que os utilizadores não pretendiam partilhar com outros humanos.

Este problema nas interfaces de voz em geral foi tido em consideração no design, desenvolvimento e implementação de Speak Out. Assim, a interface e o reconhecimento de voz de Speak Out foram concebidos garantindo que a/os jogadores controlam quando e como vão ser ouvidos. Por isso, a gravação em Speak Out só está ativada enquanto a/o jogador/a premir o botão “speak out”. Ao largar o botão a gravação acaba. Se este não for carregado o sistema não está a gravar. Enquanto o botão estiver a ser carregado o sistema está a gravar e tudo o que a/o jogador/a disser vai aparecer transcrito no ecrã. Assim a/o jogador/a dá o seu consentimento para ser gravado através do gesto físico de manter o botão carregado, um gesto que dificilmente pode ser feito sem intenção.

Mas será que estas vulnerabilidades vão prejudicar o uso das interfaces de voz? Não necessariamente, porque as notícias do verão de 2019 resultaram numa indignação generalizada nos media, o que forçou as empresas a responderem. Algumas delas decidiram suspender a transcrição de áudio pelos seus colaboradores 31 . Tendo já passado algum tempo desde que este protesto público ocorreu, a maioria das empresas voltou a realizar transcrições feitas por seres humanos mas, de realçar, só com o consentimento da possibilidade de uso destes dados pelos utilizadores 32 .

Fiel ao seu Manifesto e compromisso para uma Internet saudável, 33 a fundação Mozilla compromete-se a respeitar a segurança e os dados dos seus utilizadores. Por esta razão, o projeto Firefox Voice (ainda em versão beta) 34 pode vir a ser interessante do ponto de vista da segurança e privacidade. O Firefox Voice add-on, neste momento, também envia as gravações para os servidores do Google, mas com instruções para este não guardar as gravações nos seus servidores. Uma versão futura do Firefox Voice pretende basear-se num sistema de reconhecimento de voz da Mozilla Foundation.

Os modelos recentes do Google Pixel têm reconhecimento de voz offline 35 , o que significa que o dispositivo não envia o áudio para o servidor da empresa. Em vez disso, um sistema otimizado que não ocupa muito espaço no telemóvel faz a transcrição do áudio diretamente no dispositivo. Esta também é uma tendência tecnológica promissora apesar de ambos, o Firefox Voice e o reconhecimento de Google offline, só estarem ainda disponíveis em inglês.

O reconhecimento só funciona em inglês porque os sistemas de reconhecimento de voz precisam aproximadamente de 10,000 horas de áudio de alta qualidade por cada língua, mais transcrições exatas desse áudio. Este material serve para treinar redes neurais 36 . É por isso que o desenvolvimento dos sistemas de reconhecimento de voz tende a ser liderado por empresas com grande capacidade de investimento e também a razão pela qual o Google está à frente da competição.

Como em muitos outros aspetos relacionados com a realidade capitalista, os interesses das empresas e a hipótese de lucro são dos fatores mais importantes a impulsionar o avanço das tecnologias de reconhecimento de voz. Por isso, os maiores mercados e as suas respetivas línguas vão provavelmente ser os primeiros a ter acesso a computadores capazes de perceber vozes. Estas regiões privilegiadas e os seus cidadãos vão assim ser os primeiros a ter a possibilidade de falar e ser ouvidos pelas máquinas, os primeiros com o poder de Speak Out.

Contrariamente a esta tendência, a fundação Mozilla desenvolveu uma plataforma que se chama Common Voice project 37 , onde qualquer pessoa pode contribuir com gravações da sua língua, ou verificar a correspondência entre as transcrições e as gravações. A fundação também trabalha com associações locais para angariar participantes para este projeto de crowdsourcing.

O projeto tem como intenção tentar acumular 10,000 horas de gravações, mais as transcrições, de qualquer língua do mundo, para que todas as línguas tenham uma rede neuronal treinada especificamente para transcrever, com a maior precisão possível, a sua língua de áudio para texto. A base de dados do projeto é aberta e acessível a qualquer pessoa, com a possibilidade de descarregar todo o corpo de material associado a qualquer língua que faça parte do projeto, para que qualquer pessoa possa usar o material para treinar a sua própria rede neuronal.

1 Este trabalho foi financiado por: Operação NORTE-08-5369-FSE-000049 com comparticipação financeira do Fundo Social Europeu (FSE), através do Programa Operacional Regional do Norte (NORTE 2020).
2Mignolo, W. D., (2011), The Darker Side of Western Modernity, Global Futures, Decolonial Options, Duke University Press Durham & London, p. 23.3Ibid., p. 222.4Kilomba, G., (2020), Memórias da Plantação, Episódios de racismo quotidiano, Orpheu Negro (2ª edição), Lisboa, p. 48.5Ibid., pp. 58-9.6Ibid., pp. 67-8.7Jonas, H., (2004), O Princípio da Vida, Fundamentos para uma biologia filosófica. Editora Vozes, Petrópolis, p. 31.8Ibid., p. 57.9Maturana, H., R. & Varela, F. J., (2005 [1984]), A Árvore do Conhecimento, as bases biológicas da compreensão humana, Editora Palas Athena, São Paulo, pp. 54 e 55.10Dennett, D. C., (2017), From Bacteria to Bach and Back, The Evolution of Minds, Penguin Books, p. 375.11Theory from the Margins in conversation with Prof. Achille Mbembe about his forthcoming book, Out of the Dark Night: Essays on Decolonization, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https:// www.youtube.com/watch?v=sWHYQ6CqP20.12Kilomba, G., (2020), Memórias da Plantação, Episódios de racismo quotidiano. Orpheu Negro (2ª edição), Lisboa, p. 186.13Sloterdijk, P. (2011 [1983]), Crítica da Razão Cínica, Edições Relógio de D’Água Editores, Lisboa.14Perez, C. C. (2019), Invisible Women, exposing data bias in a world designed for men, Chatto & Windus, London, p. 296.15Ibid., p. 300.16Rippon, G., (2019), The Gendered Brain, the new neuroscience that shatters the myth of the female brain, The Bodley Head, London, p. 297.17Dois filmes franceses, À voix haute - La force de la parole (Stéphane de Freitas e Ladj Ly, 2016), e Le Brio (Yvan Attal, 2017) reivindicam uma educação emancipatória que estimule o poder da palavra. Depois do clássico Mr. Smith Goes to Washington (Frank Capra, 1939).18Federici, S., (2020), Calibã e a Bruxa, as mulheres, o corpo e a acumulação original, Orpheu Negro, Lisboa, p. 319.19Gouveia, P., (2019), “Play and games for a resistance culture” [“Brincadeiras e jogos para uma cultura da resistência”], In Playmode Exhibition Publication, Fundação EDP, MAAT Museum, Lisboa, p. 18.20Han, B.-C., (2018), A Expulsão do Outro, Edições Relógio de Água, Lisboa, p. 26.21Ibid., p. 68-69.22Ibid., p. 78.23hooks, b., (2020), Teoria Feminista, da margem ao centro, Orpheu Negro, Lisboa, p. 131.24Gouveia, P., (2010), Digital Arts and Games, Aesthetics and Design of Playful Experiences [Artes e Jogos Digitais, Estética e Design da Experiência Lúdica], Ed. Universitárias Lusófonas (11), ISBN: 978-972-8881-84-9, Lisboa, p. 174.25Kilomba, G., (2020), Memórias da Plantação, Episódios de racismo quotidiano. Orpheu Negro (2ª edição), Lisboa, p. 91.26AA.VV., (2020), Enabling Web Speech API in Firefox, Entry in the Mozilla Wiki, Acedido em 20 de Novembro de 2020, em: https://wiki.mozilla.org/Web_Speech_API__Speech_Recognition#How_can_I_use_it.3F.27Hern, A., (2019), Apple contractors 'regularly hear confidential details' on Siri recordings. Online article in The Guardian. Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.theguardian.com/technology/2019/jul/26/apple-contractors-regularly-hear-confidential-details-on-siri-recordings.28Verheyden, T., Baert, D., Van Hee, L., and Van Den Heuvel, R., (2019), Google employees are eavesdropping, even in your living room, VRT NWS has discovered. Online article in VRT NWS. Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.vrt.be/vrtnws/en/2019/07/10/google-employees-areeavesdropping-even-in-flemish-living-rooms/.29Day, M., Turner, G. and Drozdlak, N., Amazon Workers Are Listening to What You Tell Alexa. Online article in Bloomberg. Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.bloomberg.com/news/ articles/2019-04-10/is-anyone-listening-to-you-on-alexa-a-global-team-reviews-audio.30Cox, J., (2019), Revealed: Microsoft Contractors Are Listening to Some Skype Calls. Online article in Vice. Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.vice.com/en/article/xweqbq/microsoftcontractors-listen-to-skype-calls.31Brodkin, J., (2019), Apple and Google temporarily stop listening to Siri and OK Google queries. Online article in Ars Technica. Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://arstechnica.com/tech-policy/ 2019/08/apple-and-google-temporarily-stop-listening-to-siri-and-ok-google-queries/.32Bohn, D., (2020), Google is sending a complicated privacy email to everyone — here’s what it means, Online article in The Verge, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.theverge.com/ 2020/8/5/21354805/google-email-audio-privacy-opt-in-human-reviewers-assistant.33AA.VV., (2020), The Mozilla Manifesto Addendum - Pledge for a Healthy Internet, Page on the Mozilla Foundation website, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://www.mozilla.org/en-US/about/ manifesto/.34AA.VV., (2020), Firefox Voice, Website of the project, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://voice.mozilla.org/firefox-voice/.35Coldewey, D., (2019), Google’s new voice recognition system works instantly and offline (if you have a Pixel), Online article in Techcrunch, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://techcrunch.com/ 2019/03/12/googles-new-voice-recognition-system-works-instantly-and-offline-if-you-have-a-pixel.36Beaufays, F., (2015), The neural networks behind Google Voice transcription, Blogpost on Google AI Blog, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://ai.googleblog.com/2015/08/the-neural-networksbehind-google-voice.html.37AA.VV., (2020), Mozilla Common Voice, Website of the project, Acedido em 28 de Novembro de 2020, em: https://commonvoice.mozilla.org/en.

AGRADECIMENTOSEste trabalho foi financiado por ITI / LARSyS / FBAUL / FEUP.
Este trabalho foi financiado por: Operação NORTE-08-5369-FSE-000049 com comparticipação financeira do Fundo Social Europeu (FSE), através do Programa Operacional Regional do Norte (NORTE 2020).

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