- Os Canários
- Adega dos Arcos
- As Bifanas do Afonso
- Cantinho do Alfredo
- Cantinho do Aziz
- O Cartaxinho
- Tasquinha da Isilda
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- Maçã Verde
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- O Petisca
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- Tasca do Gordo
- A Tasca do Jaime
- A Tasca do Zé Russo
- Zé dos Cornos
- Tasca do Zé Pinto
Antes do 25 de abril as pessoas vinham para o trabalho, traziam as lancheiras de casa.
Do que eu me lembro da história é que antes do 25 de abril as pessoas vinham para o trabalho, que isto era um bairro operário, traziam as lancheiras de casa, e depois comiam nas tabernas. Sentavam-se aí uns quase em cima dos outros, com as lancheiras e garrafinhas de vinho, aos almoços.
Depois do 25 de Abril fizeram um refeitório e essa classe [operária] desapareceu. E foi nessa altura que a maior parte das tabernas começou a desaparecer
Depois do 25 de Abril fizeram um refeitório e essa classe [operária] desapareceu. E foi nessa altura que a maior parte das tabernas começou a desaparecer, sentiram essa queda… E a procura do carvão e do petróleo também começou a desaparecer.
tinha um pombal, em Benfica, faziam concursos de columbofilia. Os pombos eram numerados, levados para o Porto ou assim e soltos lá. Havia um relógio que cronometrava.
Era o meu tio que gostava. Ele adorava pássaros. Até tinha um pombal, em Benfica, faziam concursos de columbofilia. Os pombos eram numerados, levados para o Porto ou assim e soltos lá. Havia um relógio que cronometrava. Consoante eles chegavam, a anilha era metida dentro do relógio e era cronometrado o tempo. E eles tinham um título de 2º lugar Barcelona-Lisboa.
Deve-se ao homem do talho que corta a carne, é uma parte fundamental do segredo, que é cortar isto fininho, bem cortado, uma carne de boa qualidade.
Deve-se ao homem do talho que corta a carne, é uma parte fundamental do segredo, que é cortar isto fininho, bem cortado, uma carne de boa qualidade. E depois um pouquinho de banha, um pouquinho de vinho branco, alho e deixar cozinhar e acho que o segredo passa por aí. (...) É um trabalho um pouco artesanal.
Nunca fui cozinheiro.
Cozinhar não, nunca fui cozinheiro. Já tinha passado por experiências deste género. Não me considero um cozinheiro. A única coisa que faço aqui e que já fazia noutros lados é bifanas e uns pregos, umas coisas simples de fazer.
Além de Africanos somos muçulmanos
E por isso também já é difícil, além de Africanos somos muçulmanos (...) O meu pai fez questão que a gente entrasse na catequese, que soubéssemos o que é que aquilo era (...) somos iguais mas temos teorias diferentes de viver.
Pretinha! Pretinho! Na altura doía mais ouvir aquilo porque também não sabíamos o que é que era.
Agora nesta idade em que estou eu já não digo que é descriminação , digo que é uma pessoa presente na tua zona. (...) Pretinha! Pretinho! Na altura doía mais ouvir aquilo porque também não sabíamos o que é que era. Era uma novidade para nós, pensávamos que éramos todos iguais mas afinal tinha ali uma coisa que era diferente. Começou por aí, por sermos os pretinhos do bairro, os pretinhos da Mouraria.
Isto não seria o que é se não fosse um conjunto de família com todos incluídos.
Isto não seria o que é se não fosse um conjunto de família com todos incluídos. As esposas dos meus irmãos, a minha mãe, o meu pai, os meus tios, todos os trabalhadores daqui, todos eles fazem parte de um bem maior.
5 da manhã já tenho que estar aqui (...) O cabrito custa, a bakra custa a cozer, a galinha não se coze em 30 ou 40 minutos, depois temos o arroz de côco.
5 da manhã já tenho que estar aqui (...) O cabrito custa, a bakra custa a cozer, a galinha não se coze em 30 ou 40 minutos, depois temos o arroz de côco. Depois não é só um prato nem dois, nós temos o bakra, o chacuti, agora fiz um prato novo, o pulao, a muamba, matapa, makoufe, são os molhos. E depois temos os frangos a grelhar, se chegas aqui meio dia ou 11 horas não dá.
Nem o leite de côco tu consegues fazer em 30 minutos. Porque eu tenho o côco já seco, tenho que misturar com a água quente, tenho que triturar para formar o leite e espremer.
Nem o leite de côco tu consegues fazer em 30 minutos. Porque eu tenho o côco já seco, tenho que misturar com a água quente, tenho que triturar para formar o leite e espremer.
As pessoas que gostam de comer em casa, gostam de vir aqui. Antigamente os casais saíam para jantar fora. Agora só se estiverem mesmo cansados e não tiverem nada para comer em casa.
(...) As pessoas que gostam de comer em casa, gostam de vir aqui. Não é aquele cliente que passa hoje e que nunca mais volta. (...) Antigamente os casais saíam para jantar fora. Agora só se estiverem mesmo cansados e não tiverem nada para comer em casa. E a maioria mora fora.
O cliente que interessa para a restauração é o cliente de hotel.
O cliente que interessa para a restauração é o cliente de hotel. Aquele casal de meia idade porque são pessoas que têm mais poder de compra e gostam de experimentar a comida caseira, comida tradicional do país e vêm jantar. Os outros é o que eu chamo o caracol moderno, com a casa às costas.
‘Bitoque sem carne’ e eu disse ‘Tu queres o quê?’. Há pedidos assim… coisas mesmo malucas!
Numa casa onde entra todo o tipo de pessoas há sempre um pedido maluco! Esse foi um deles. (...) O rapaz chega aqui à cozinha e diz ‘Bitoque sem carne’ e eu disse ‘Tu queres o quê?’. No outro dia também pediram uma omelete sem ovo. Há pedidos assim… coisas mesmo malucas!
Faço o arroz doce, a mousse, baba de camelo, farófias.
Faço o arroz doce, a mousse, baba de camelo, farófias, no Inverno faço pudim flan, daquele pudim da forma.
— Não se come muito [salada de frutas]?
— Porque as pessoas pensam que é com fruta estragada.
— Não se come muito [salada de frutas]?
— Porque as pessoas pensam que é com fruta estragada.
Pensam que é com restos de frutas e as pessoas depois não as comem. Nós fazíamos e saía pouco, e como tudo não pode estar muito tempo depois de confeccionado.
Tinha grupos de cor, pessoas impecáveis, vinha tudo para aqui. Deixaram de vir. Foi logo a seguir a mudar a moeda, foi logo.
Até pessoas de cor, tinha grupos de cor, pessoas impecáveis, vinha tudo para aqui. Deixaram de vir. Foi logo a seguir a mudar a moeda, foi logo. Faziam filas à espera, quando era feijoada ou cozido...
Então, os bangladesh, se eu abrisse a boca era já. No outro dia corri com um, tratei-o mal e tudo.
Então, os bangladesh, se eu abrisse a boca era já. No outro dia corri com um, tratei-o mal e tudo. Ele disse-me ‘Dou-lhe 15 mil euros por isto e você vende-me a casa’. ‘Mas tu pensas que eu não conheço dinheiro? Desaparece já daqui.’, disse-lhe eu. Mandei-o para outro lado… A gozar comigo! Eu sei o que são 15 mil euros!
Quer um café?
— E a pensão, as pessoas vêm aqui comer também?
— A pensão é rafeira. É mais prostituição. E acho que alugam também as casas de banho para os gajos se drogarem... Não interessa a ninguém. Quer um café?
Faço tudo: faço bolos, faço leite creme, faço chocolates, invento doces. Já foi também um bocado de bolo lá para a Bélgica, já provaram lá o meu bolo.
A cozinha sou eu sozinha, eles é que me ajudam, são dois. A arranjar a alface, a arranjar cebolas, a descascar batatas, cenouras... Mas a cozinha sou eu, ninguém mexe, nem em doces nem em nada. Faço tudo: faço bolos, faço leite creme, faço chocolates, invento doces. Já foi também um bocado de bolo lá para a Bélgica, já provaram lá o meu bolo.
— Uns na grelha, outros já prontos a cozinhar para o fogão. (...) A gente orienta tudo de um dia para o outro.
— Qual é o segredo para fazerem todos?
— Uns na grelha, outros já prontos a cozinhar para o fogão. (...) A gente orienta tudo de um dia para o outro. Não é no próprio dia. Estamos sempre adiantados. Já sei o que é que vou fazer na próxima segunda feira.
A minha mulher é uma ótima cozinheira. Não sei se a melhor, mas uma das melhores da cidade.
A minha mulher é uma ótima cozinheira. Não sei se a melhor, mas uma das melhores da cidade.
Quando há cabrito assado eu às vezes ponho no Facebook que há cabrito, quando vou começar os almoços já está vendido.
Quando há cabrito assado eu às vezes ponho no Facebook que há cabrito, quando vou começar os almoços já está vendido.
Diz que come em todas as casas de Lisboas, das melhores às piores e que a única em que sai com um sorriso nos lábios é aqui.
O Sr. Carlos Monjardino da Fundação Oriente, fez uma crônica em que diz que come em todas as casas de Lisboas, das melhores às piores e que a única em que sai com um sorriso nos lábios é aqui.
Aquela parte onde está a cozinha era a habitação. E há um espaço aqui onde era a parte da carvoaria.
(...) aquela parte onde está a cozinha era a habitação. E há um espaço aqui onde era a parte da carvoaria. Pronto. E ali funcionava a taberna, e lá dentro era um espaço aberto, o saguão do prédio.
Este vinho é muito melhor do que esses vinhos que se vendem aí em caixinhas de cartão. Não tem comparação.
Este vinho é muito melhor do que esses vinhos que se vendem aí em caixinhas de cartão. Não tem comparação.
Costumo dizer que o meu pai, que esteve cá 3 anos e picos, tem o nome numa pedra, e eu, que estou cá quase há 60, só tenho o nome nas finanças! [risos]
Não! Aqui foi de 71 a 74, mais ou menos. Eu estava na tropa… Costumo dizer que o meu pai, que esteve cá 3 anos e picos, tem o nome numa pedra, e eu, que estou cá quase há 60, só tenho o nome nas finanças! [risos]
E a renda disto era 52 Euros. (...) Agora quem está aqui é uma arquitecta, mandou arranjar isto já também há uns 5 ou 6 anos, quer 1200 euros de renda.
(...) esta porta dá para a casa de baixo e para a casa de cima. E do outro lado também tem entrada para cima. Portanto isto não dá para habitação. E a renda disto era 52 Euros. (...) Agora quem está aqui é uma arquitecta, mandou arranjar isto já também há uns 5 ou 6 anos, quer 1200 euros de renda.
Desapareceu daqui isto tudo, esta rua está morta.
Fechou ali a esquadra, que era aqui ao lado, fechou ali a [outra empresa] que também tinha 20 e tal empregados, e isto estava sempre cheio. Desapareceu daqui isto tudo, esta rua está morta.
Quando era miúdo, quando eu vim para aqui, tinha ele 8 ou 9 anos, era um doente do Benfica. Com a idade as pessoas começam a ver que não vale a pena sofrer tanto.
Não, ele foi sempre do Benfica. Não sei se ainda é mas quando era miúdo, quando eu vim para aqui, tinha ele 8 ou 9 anos, era um doente do Benfica. Até ser profissional era do Benfica. Depois sendo profissional já não vive o futebol como vivia antes. Até no próprio adepto, com a idade as pessoas começam a ver que não vale a pena sofrer tanto.
— Pratos não é comigo, é com a minha chefe, ela é que faz os pratos.
— Ela é que decide?
— Sim, em sintonia comigo
— E que mais receitas e pratos é que são especiais aqui?
— Pratos não é comigo, é com a minha chefe, ela é que faz os pratos.
— Ela é que decide?
— Sim, em sintonia comigo, ela tem as ideias e depois faz.
— E qual é a receita (dos caracóis) afinal?
— E qual é a receita (dos caracóis) afinal?
— É lavá-los, pô-los ao lume, e depois por-lhe sal, cebola, alho, piri-piri a gosto.
— Tem clientes que já vêm há muito tempo?
— Tenho alguns que já vão na terceira geração.
— Tem clientes que já vêm há muito tempo?
— Tenho alguns que já vão na terceira geração.
Na altura o ambiente era péssimo, era uma taberna, uma senhora não entrava aqui. E hoje é uma casa modesta mas a clientela é VIP.
— (...) em relação aos clientes houve mudanças?
— Desde início claro que mudaram porque na altura o ambiente era péssimo, era uma taberna, uma senhora não entrava aqui dentro em 77. Por isso não foi fácil, foi muito trabalho. E hoje é uma casa modesta mas a clientela é VIP.
— É negócio de família!
— A parte principal é a minha mulher.
— Atualmente quantas pessoas trabalham aqui?
— Três pessoas, está aqui a equipa toda. A minha mulher, eu e a minha filha. (...)
— É negócio de família!
— A parte principal é a minha mulher.
Normalmente é a minha mãe que ainda abre (a tasca), apesar de estar reformada há mais de 5 anos (...) Então de manhã, às 8h, ela vem abrir. Está aqui, aparece alguém para beber um café ou outro, vai ajudando a descascar batatas, a preparar.
Normalmente é a minha mãe que ainda abre (a tasca), apesar de estar reformada há mais de 5 anos (...) Então de manhã, às 8h, ela vem abrir. Está aqui, aparece alguém para beber um café ou outro, vai ajudando a descascar batatas, a preparar. Entretanto elas chegam e vai pondo as coisas a andar. Está aí até às 10 de manhã. Às 10 vai-se embora.
Umas vezes dizem que é a casa do Benfica de Pedrouços. A gente aproveitou, tínhamos quase 60 cachecóis.
A minha família é Benfiquista e já temos lugar cativo há 10, 11 anos, desde que houve este novo estádio (...) Umas vezes dizem que é a casa do Benfica de Pedrouços. A gente aproveitou, tínhamos quase 60 cachecóis. Agora já só compro das equipas que não tenho.
A gente tem uma relação com muito pessoal da SIC. Vêm cá cameramens, pivôs, repórteres, muitos já.
(...) a gente tem uma relação com muito pessoal da SIC. Vêm cá cameramens, pivôs, repórteres, muitos já. Eles dizem que gostam de vir muito à dobrada. Por exemplo houve um cliente nosso, assim que eu saiba foi o primeiro, que fez as 25 melhores tascas de Lisboa. E ele era nosso cliente.
Agora a rua está com bom aspeto. Há um ano atrás alcatroaram esta estrada. Desde que eu nasci não me lembro de terem alcatroado a estrada toda.
Agora a rua está com bom aspeto. Há um ano atrás alcatroaram esta estrada. Desde que eu nasci não me lembro de terem alcatroado a estrada toda. Bem, ela era alcatroada mas era assim: abria um buraco, tapa, abria outro buraco, tapa, era tudo remendado.
Nessa altura (da crise) parecia que tudo estava à procura de restaurantes o mais económico possível. Parece que as pessoas, agora que não há mais crise, já estão mais à vontade.
Por acaso nessa altura (da crise) parecia que tudo estava à procura de restaurantes o mais económico possível, mais acessíveis para irem. Agora estou a notar, principalmente do verão para cá, parece que começaram a dizer ‘Ah a crise acabou, agora vamos por os ordenados que retiramos’, bem, parece que as pessoas, agora que não há mais crise, já estão mais à vontade.
Acabamos por fazer amizades com as pessoas. Mesmo que não seja aquela amizade em que vamos a casa das pessoas, a gente sente às vezes, pedimos para ficar com o contato, telefonamos.
A gente já tem clientes que são quase amigos, sentimos a falta deles. Por exemplo, um casal que, ele já está reformado, trabalhou na rádio, e vêm aí muitas vezes, e a mulher teve um problema e ficou uns meses sem cá vir. A gente tinha o telefone e acabamos por ligar para perguntar se estava tudo bem. Acabamos por fazer amizades com as pessoas. Mesmo que não seja aquela amizade em que vamos a casa das pessoas, a gente sente às vezes, pedimos para ficar com o contato, telefonamos.
Por exemplo a gente hoje teve cachupa que nada tem a ver com os pratos portugueses
Vamos ficando com as listas [das ementas] das outras semanas e vamos olhando. Depois às vezes há uma que propõe, a gente experimenta e vê se dá ou se não dá. Por exemplo a gente hoje teve cachupa que nada tem a ver com os pratos portugueses mas foi uma coisa que experimentamos e resultou, voltamos a fazer.
O meu pai tem origem Alentejana, mas ele já nasceu em Lisboa. A minha mãe é que era de Seia
O meu pai tem origem Alentejana, mas ele já nasceu em Lisboa. A minha mãe é que era de Seia e depois veio para cá muito nova, vieram os irmãos todos, os pais e tudo e ficaram no Bairro Padre Cruz até se casarem e virem para aqui.
E quando dei por mim, dei com uma afluência enorme aqui dentro, uns a cantarem para os outros com os meus instrumentos.
Isto é um lugar cheio de instrumentos (...) Eu comprei vários instrumentos, que estavam por aí pendurados, e depois as pessoas passavam e perguntavam-me se podiam descer ou se podiam experimentar e eu dizia que sim, e uns foram trazendo os outros. (...) E quando dei por mim, dei com uma afluência enorme aqui dentro, uns a cantarem para os outros com os meus instrumentos.
E os almoços foram caindo. Agora virei-me mais para o turismo, naturalmente, também por causa do fado.
(...) os portugueses almoçavam fora, não iam ao supermercado comprar para comer no saco (...) Isso foi mudando, foi caindo, vieram os imigrantes. Os imigrantes não comem fora, eu compreendo porquê, quem emigra é para arranjar dinheiro. E os almoços foram caindo. Agora virei-me mais para o turismo, naturalmente, também por causa do fado.
Na altura as tabernas nem sequer tinham chão. Porquê? Porque na altura as tabernas vendiam muito vinho e precisavam de ser frescas
(...) Na altura as tabernas nem sequer tinham chão, era diretamente na terra. Porquê? Porque na altura as tabernas vendiam muito vinho, tinham muito vinho, mas mesmo muito vinho e precisavam de ser frescas (...). As adegas não têm chão para serem mais frescas. E eu fui alterando até por exigências de limpeza e higiene.
Antigamente os operários vinham à taberna com a marmita para o galego aquecer e eles comiam aqui na taberna. Em compensação vendiam o jarrinho de vinho que já era bom.
(...) antigamente os operários vinham à taberna com a marmita para o galego aquecer e eles comiam aqui na taberna. Em compensação vendiam o jarrinho de vinho que já era bom. (...) Começaram a fazer sopinha, batata, peixinho frito, e punham assim e tal. Ao princípio davam, ofereciam e os operários habituaram-se e chegaram à conclusão que trazer a marmita ou comer no galego já ficava quase ao mesmo preço, e era mais confortável.
Havia aqui um grande grupo que eram todos amigos e que jogavam dominó. Quem perdia punha uma moedinha.
(...) Há 60 anos, 70. Havia aqui um grande grupo que eram todos amigos e que jogavam dominó. Quem perdia punha uma moedinha. Ao fim do ano, com esse dinheiro faziam uma excursão, todos. Esse era outro motivo para ter os cliente sempre fiéis.
O balcão também era outro, era em marmorite. Era um balcão mesmo à Obelix.
(...) O balcão também era outro, era em marmorite, fazia uma curva como esse (aponta para a maquete do grupo excursionista). (...) Era um balcão mesmo à Obelix.
Se eu nunca tiver o turismo, não tenho clientes portugueses mais porque foram-se todos embora para fora de Lisboa.
De há 10 anos para cá mudou horrivelmente para mal. Porque a Câmara está com um projeto de querer vender isto tudo, porque isto é tudo camarário. Então desabitou as pessoas que cá moravam. Por isso é que eu não tenho clientes. Se eu nunca tiver o turismo, não tenho clientes portugueses mais porque foram-se todos embora para fora de Lisboa.
Só me lembro da taberna e da carvoaria mas da carvoaria tinha para aí os meus 6 anos que foi quando começou a aparecer o gás.
Só me lembro da taberna e da carvoaria mas da carvoaria tinha para aí os meus 6 anos que foi quando começou a aparecer o gás. Depois as pessoas já não compravam carvão.
Comer fora como ainda vêm aqui, de faca e garfo, vai acabar.
As pessoas têm de se começar a consciencializar disto, comer fora como ainda vêm aqui, de faca e garfo, vai acabar. Porque ou vai ser muito bem pago como é no estrangeiro, ou estas coisas familiares têm outros encargos que as pessoas já não conseguem.
Um prato que a minha sogra fazia que era rancho, outro que era arroz de cabidela, agora a malta nova não gosta desse tipo de comida
(...) um prato que a minha sogra fazia que era rancho, outro que era arroz de cabidela, agora a malta nova não gosta desse tipo de comida, era mais os da idade da minha sogra, assim pessoas mais antigas que foram habituadas a esses pratos, gostavam mais.
Por exemplo à noite a maioria das pessoas, quer tudo peixe grelhado, não quer comida de tacho que engorda muito (riso).
Por exemplo à noite a maioria das pessoas, quer tudo peixe grelhado, não quer comida de tacho que engorda muito (riso).
Isto está muito mudado, por exemplo, aqui este em frente era uma lojinha, era um costureiro. Agora é só ‘monhés’, indianos, chineses, não tem nada a ver, nada.
A gente está aqui enfiado pronto, a maior parte dos dias, nem sai daqui mas isto está muito mudado, por exemplo, aqui este em frente era uma lojinha, era um costureiro. Ele arranjava tudo o que era casacos, calças, isso. Fechou. Agora é só ‘monhés’, indianos, chineses, não tem nada a ver, nada.
O menú é sempre o mesmo. Hoje é um, amanhã é outro, para a semana volta. E é assim o ano todo.
O menú é sempre o mesmo. Hoje é um, amanhã é outro, para a semana volta. E é assim o ano todo. (...) O senhor vem cá hoje e vem daqui a dez anos e os pratos são sempre iguais.
Poderia dizer-se que comer fora ultrapassa, hoje em dia, a saída do espaço doméstico para a celebração de momentos e ocasiões especiais
Poderia dizer-se que comer fora ultrapassa, hoje em dia, a saída do espaço doméstico para a celebração de momentos e ocasiões especiais (Fox, 1995) (...) Existe uma necessidade de transferir, em certas ocasiões, a refeição do espaço doméstico (privado) para o espaço público. A mudança nas temporalidades – a questão dos horários –, torna-se da maior importância na discussão sobre as consequências do capitalismo.
As tascas poderão funcionar então como um espaço de continuação [da casa]
As tascas poderão funcionar então como um espaço de continuação [da casa] (...) sobretudo porque existe a figura de alguém que está responsável pela realização da comida, tentando proteger e nutrir os corpos que frequentam e partilham aquele espaço.
a repetição dos sabores cria uma rotina para os frequentadores que, através da repetição do lugar, confirmam as suas preferências.
É esta repetição [das receitas da casa] que contribui para a criação de uma sensação de segurança de ambos os lados: a repetição dos sabores cria uma rotina para os frequentadores que, através da repetição do lugar, confirmam as suas preferências.
A “cultura do prato do dia” significa que mesmo quando a oferta ultrapassa uma única especialidade, a ideia é que seja ainda assim uma oferta reduzida
(...) a “cultura do prato do dia” significa que mesmo quando a oferta ultrapassa uma única especialidade, a ideia é que seja ainda assim uma oferta reduzida, o que sublinha por um lado o carácter daquilo a que podemos chamar “especialidade da casa”, o que por sua vez também poderá encontrar-se relacionado com a própria organização das refeições em casa (política do “prato único”).
Do ponto de vista semiótico um entendimento difícil de definir mas imediatamente reconhecido quando se fala em tasca.
(...) são estes pratos [do dia] e a existência das figuras de referência que, juntamente com aquele que é um conjunto de características comuns a estes espaços, como uma certa estética muito personalizada que, na sua diferença, acaba por ser transversal [às tascas] (...) e a aplicação de estratégias de marketing (ainda que possam ser diferentes, por exemplo, a repetição dos pratos ou a não-repetição dos pratos, para jogar com o elemento surpresa, etc), propiciarão então do ponto de vista semiótico um entendimento difícil de definir mas imediatamente reconhecido quando se fala em tasca.
A cozinha e o espaço de comida estavam separados, marcando a divisão entre o off-stage e o on-stage do lugar: os bastidores e o palco, o trabalho e o lazer.
As travessas com os seus cozinhados chegavam às mãos de dois empregados de mesa, homens, passando por entre duas pequenas janelas, em forma de meia-lua. A cozinha e o espaço de comida estavam separados, marcando a divisão entre o off-stage e o on-stage do lugar: os bastidores e o palco, o trabalho e o lazer.
Na vila de Amaro, a única mulher que frequentava a tasca era a Barbuda. Sofria de alcoolismo e era habitual vê-la passar com a garrafa, sozinha, pois o marido morrera cedo.
Na vila de Amaro, a única mulher que frequentava a tasca era a Barbuda. Sofria de alcoolismo e era habitual vê-la passar com a garrafa, sozinha, pois o marido morrera cedo. A sua solidão despertava a condescendência da comunidade para com um comportamento que reprimia e julgava. “A Barbuda ia apenas em certas alturas em que a taberna não estava cheia de homens e era respeitada por todos: nunca havia más educações para com ela.”
As servidoras, permanecem longas horas de pé e pouco importa a agressão das temperaturas, vapores e cheiros remanescentes das salas onde imaginam e produzem os seus pratos.
(...) as servidoras, permanecem longas horas de pé e pouco importa a agressão das temperaturas, vapores e cheiros remanescentes das salas onde imaginam e produzem os seus pratos. A alquimia é um trabalho das mãos e as labaredas, os bicos de fogão, o calor do forno e controlo sobre os elementos lesivos do tato e da vista são o seu domínio efetivo.
À lógica de divisão social do trabalho sobrepõe-se a divisão sexual do trabalho. Em regra, as mulheres são remetidas para a função da cozinha, limpeza e serviço.
À lógica de divisão social do trabalho sobrepõe-se a divisão sexual do trabalho. Se, muitas vezes, o tasqueiro é o mediador entre os corpos estacionados (dos clientes), e os corpos transeuntes (dos trabalhadores), em regra, as mulheres são remetidas para a função da cozinha, limpeza e serviço.
Nas tascas, as mulheres ainda cozinham sob o desígnio de trabalhadoras não especializadas e a condição de chef não enquadra nos regimes de serviço
Nas tascas, as mulheres ainda cozinham sob o desígnio de trabalhadoras não especializadas e a condição de chef não enquadra nos regimes de serviço (...) “Isto aqui não funciona como uma cozinheira chefe em si, não tem um chefe. Funciona com uma pessoa que sabe cozinhar como deve ser, que se adapta e que vai evoluindo conforme o tempo (...)”
As tascas são hoje os lugares prediletos dos “caracóis modernos”, o que não deixa de ser uma metáfora irónica
De carvoarias a espaços de fascínio por parte de uma nova clientela ansiosa pela genuinidade de uma Lisboa antiga, as tascas são hoje os lugares prediletos dos “caracóis modernos”, o que não deixa de ser uma metáfora irónica que transforma não apenas o turista aristocrata num turista de classe média, mas também classifica uma pequena-burguesia intelectual e artística que por lá se demora.
Dois homens sentam-se à mesa de uma taberna. Sabem que o ritual sagrado do álcool os vai libertar daí a instantes.
Dois homens sentam-se à mesa de uma taberna. Sabem que o ritual sagrado do álcool os vai libertar daí a instantes. (...) Brindam pelas esperanças perdidas e há em cada perda um sentimento de vitória.(...) “Descobrirás que o propósito é não haver propósito”, diz um deles, já filósofo, antes de prosseguir: “mas sim andar e ir vendo, sonhar morrer à mesa, a comer, velho, muito velho, rodeado de todos os amigos, num almoço de pão, presunto, vinho, muito vinho, azeite e queijo”.
Há anos que isto tem os dias contados./ Dizem sempre que vai fechar./ Não me façam isso, falta tão pouco para irmos./ Não adianta a fotografia.
[Solilóquio]
Sento-me aqui todos os dias da semana./ Leio o desportivo de uma ponta a outra./ Faço as palavras cruzadas./ Com dez letras vida longa./ O tempo assim passa melhor./ (...) Há anos que isto tem os dias contados./ Dizem sempre que vai fechar./ Não me façam isso, falta tão pouco para irmos./ Não adianta a fotografia.
Muitos dos que o viam cedo se aperceberam de um pormenor intrigante: o Senhor F. chorava enquanto comia. Não havia uma regra para que tal acontecesse.
Muitos dos que o viam cedo se aperceberam de um pormenor intrigante: o Senhor F. chorava enquanto comia. Não havia uma regra para que tal acontecesse. (...) A saudade de alguém com quem teria partilhado o ritual da refeição (um amor dos tempos de emigrante), a tristeza da solidão (a distância do filho único) ou a quantidade excessiva de cebola crua na salada (uma característica na de alface) eram as teorias mais recorrentes (...). Porém, nunca ninguém o questionou sobre aquele fenómeno (...)
As tabernas – lojas de bebidas, botequins, baiúcas, armazéns de vinho… – ocupavam o lugar mais importante a seguir às ruas e praças.
Enquanto espaço de sociabilidade quase exclusivamente conotado com os mais pobres, sobre a taberna se foi aumentando e diversificando o seu mundo e o respectivo imaginário. Para a Intendência Geral da Polícia de Lisboa (a partir de 1760), as tabernas – lojas de bebidas, botequins, baiúcas, armazéns de vinho… – ocupavam o lugar mais importante a seguir às ruas e praças.
Perdida a taberna popular ficou a nostalgia da taberna agora relembrada em ambientes higienizados e casas de tapas e petiscos ou apenas no nome do estabelecimento.
Perdida a taberna popular, entre pipos, cheiro a vinho, salas escuras e balcões sujos, frequentada por soldados, operários, boémios, e outra gente de pouco dinheiro, ficou a nostalgia da taberna agora relembrada em ambientes higienizados e casas de tapas e petiscos ou apenas no nome do estabelecimento.
O comer dos pobres não costumava merecer grandes apreciações: torresmos, bolos de bacalhau, fígado de cebolada, petinga, caracóis, (...)
Antes da estetização da cozinha e do vinho, e depois do enjoo do moderno com os seus pratos de comida industrial em série, servidos em ambientes higienizados e bem iluminados, o comer dos pobres não costumava merecer grandes apreciações: torresmos, bolos de bacalhau, fígado de cebolada, petinga, caracóis, (...) eram coisas da tasca, tudo bem regado com umas malgas de vinho - tinto, de preferência.
Em quase todas as ementas de quase todas as tabernas, os passarinhos fritos eram uma constante. Pássaros!
[Nas tascas] Havia também os passarinhos fritos. Sim, tordos, pardais, verdilhões, codornizes, pombos e, genericamente, tudo o que voasse e caísse nas armadilhas e tiros de espingarda. (...) Em quase todas as ementas de quase todas as tabernas, os passarinhos fritos eram uma constante. Pássaros! (...) Passarinhos! Fritos! Coitados. (...) A passarada era o terror das hortas, das searas, dos milharais.
A Tasca é estrangeira e local de si mesma, havendo uma relação de estranho-familiar.
Os processos de apreensão estética da Tasca de hoje estão a mudar – não a vemos da mesma forma – e por isso a Tasca é estrangeira e local de si mesma, havendo uma relação de estranho-familiar.
Haverá uma geração futura para quem a Tasca será algo de meio “histórico”
Haverá uma geração futura para quem a Tasca será algo de meio “histórico” – até porque esta é a categoria para se conseguir salvaguardar alguma identidade na cidade, como a já referida catalogação de “lojas com história”.
A proliferação de tascas genéricas ou gourmet cresce engolindo a Tasca “original”
A proliferação de tascas genéricas ou gourmet cresce engolindo a Tasca “original”, perdendo-se o rosto/ rastro de uma memória de vizinhança e transformando-a na nossa apreensão numa espécie de familiar que nunca chegamos a conhecer, mas que nos diz algo.
Hashtag [TASCAS]
Com contribuições de: Nuno Andrade, Beatriz Banha, Carolina Barreiros, Catarina Botelho, Inês Brasão, Augusto Brázio, Eduardo Brito, Tiago Casanova, Catarina Osório de Castro, Paulo Catrica, Margarida Correia, Agapi Dimitriadou, Álvaro Domingues, Luísa Ferreira, Maura Grimaldi, Céu Guarda, Maria João Guardão, Kiluanji Kia Henda, Joana Hintze, Délio Jasse, Pedro Letria, Joana Linda, Vera Marmelo, Rui Dias Monteiro, Luís Pavão, Pauliana Valente Pimentel, Maria do Mar Rêgo, Gabriela Salazar, Patrícia Azevedo da Silva, Maribel Mendes Sobreira, Filipa Valladares, Francisca Veiga, Valter Vinagre.
Foram entrevistados: José Alves, Susana Alves, Carla Briganti, Mª Júlia Cabral, Fernando Cardoso, Laura Cardoso, João da Cunha, Isilda Duarte, Carmelinda Fernandes, José Fernandes, Joaquim Gomes, Carlos Martins, Jaime Nunes, Laura Nunes, João Oliveira, José Prior, José Rodrigues, Carla Martins dos Santos, Vítor Santos, Mª Angelina Rocha da Silva, Ashiana Sulemange, Jeny Sulemange.
Traduções: João André Abreu, Patrícia Azevedo, Ana Macedo, Ana Sophie Salazar
Hashtag [TASCAS] reúne e organiza o material resultante do projecto de pesquisa urbana "Pelas Tascas de Lisboa, a cultura do prato do dia", criado pelo Frame Colectivo em 2018/2019 e editado em parceria com a STET - livros & fotografias.
Na página principal encontram-se as vinte e uma tascas que participaram no projeto. Clicando em qualquer uma delas pode-se começar a explorar o material através de tags. O conjunto de contribuições aqui integradas contém entrevistas, reflexões, textos e ensaios fotográficos realizadas por vinte e nove autores. Catalogando-as por hashtags, neste formato experimental, os elementos criam constelações diversas, ganhando novos significados e camadas.
tasca, a /ˈtaʃkɐ/
1. utensílio de madeira que serve para separar os tomentos do linho, batendo-o, 2. espadela, 3. morder o freio, 4. roer, 5. um estabelecimento com balcão e cozinha onde se serve diariamente comida caseira a preços acessíveis
Na arqueologia, os vestígios mais reveladores e informativos sobre a vida e as sociedades estudadas em escavações são frequentemente os elementos ligados a atividades domésticas em torno da cozinha. Estes podem ser bastante mais abrangentes nas suas camadas de complexidade do que as ruínas de edifícios públicos ou representativos, já que resultam de estritas encenações. A cozinha detém indícios das verdadeiras dependências, capacidades tecnológicas, influências culturais e movimentos migratórios. Como podemos tentar uma leitura da cidade contemporânea a partir das suas cozinhas mais populares e acessíveis?
Partiu-se da dimensão urbana das tascas pelas leituras multifacetadas que a permanência no território permite criar. Passamos pelos hábitos e a constituição de relações na cidade que vão desde o espaço da cozinha até às redes globais de abastecimento. O foco são as últimas cinco décadas, onde historicamente se passou das tabernas às casas de pasto (muitas das quais derivaram já de carvoarias e mercearias), e das casas de pasto às tascas que hoje em dia se identificam como pequenos restaurantes adaptados ao consumo popular. Não são as tascas de um imaginário coletivo, mas sim as tascas que continuam nos mesmos espaços e que se atualizaram necessariamente ao ritmo a que a cidade se foi moldando. Pela experiência e conhecimento acumulados, os donos e trabalhadores tornam-se os protagonistas da narrativa entre o detalhe e o abrangente, na dinâmica do comércio local e as transformações urbanas. Alguns acentuam que esta é mais uma de muitas mudanças que enfrentaram e as soluções serão construídas, como de costume, numa sequência de adaptações e diálogo com a clientela, assim como pela nova geração que fará sua a herança da tasca. Outros, forçados a fechar, ficam sem hipótese de resposta.
No centro desta exploração introduziu-se o conceito da paralaxe – alteração aparente de um objeto contra um fundo devido ao movimento do observador – servindo de ideia unificadora para a publicação do livro, do jogo da memória e deste arquivo online. A criação desta proposta obrigou-nos a sair de uma disciplina de conforto, esticando-nos por entre áreas alheias. Surgem novas leituras com cada ofício envolvido: o da restauração, o da fotografia, os vários ofícios representados aqui na escrita. Criou-se uma dinâmica de complementaridade de conteúdos, aproximando e afastando conceitos e familiaridades existentes. Afastamo-nos de generalizações sobre a tasca e aproximamo-nos de quotidianos – manifestações diárias da nossa experiência urbana coletiva.
O livro e jogo da memória podem ser encomendados no site www.framegamesshop.com e também estão disponíveis na STET - livros & fotografias.
Gabriela Salazar, Agapi Dimitriadou
Frame Colectivo