Retratos da Vida Portuguesa

sobre a política do espírito, apresentamos duas entrevistas de António Ferro a António de Oliveira Salazar, realizadas em 1932 e 1938.
- Permita-me, sr. Presidente, que aborde um problema, que chega na sua altura própria e que me interessa especialmente: o problema da arte, das letras e das ciências. Não lhe parece que essa frieza do momento, que essa falta de elevação e de animação se devem atribuir, em grande parte, à ausência duma inteligente e premeditada Política do Espírito dirigida às gerações novas, que as traga à superfície, que lhes dê um papel nesta hora de insofismável renovação? Todos os grandes chefes, grandes condutores de povos assim o fizeram. Desde os Médicis a Mussolini, desde Francisco I a Napoleão, as artes e as letras foram sempre consideradas como instrumentos indispensáveis à elevação dum povo e ao esplendor duma época. É que a arte, a literatura e a ciência constituem a grande fachada duma nacionalidade, o que se vê lá de fora... Em Portugal – triste é dizê-lo – essa Política do Espírito, que já foi seguida por alguns reis e por alguns estadistas portuguese, tem sido abandonada lamentavelmente pelos poderes públicos nestes últimos cinquenta anos.
Temos o orçamento equilibrado, temos estradas, quase não temos dívidas, temos um bom crédito lá fora, uma obra municipal notável, uma indústria que começa a abrir as asas, mas nada se fez ainda pelo desenvolvimento da literatura e das artes plásticas, que sufocam, sem poder alargar os seus horizontes, no saguão do nosso meio. O Teatro de S. Carlos, cheio de tradições, está fechado para a música.
O problema do Teatro Nacional, que tem merecido ao sr. Ministro algum interesse, foi atamancado mas não resolvido. Não temos uma única cena de vanguarda, um teatro de arte, porque o Estado não admitiria, sequer, a ideia de lhe dar um subsídio. Tivemos já três orquestras sinfónicas.
Este ano, porém, nem uma para amostra... A produção literária, por sua vez, é fraquíssima e tímida... Mas, perdoe-me… Reparo agora que principio a ser incorrecto, que fui longe demais num assunto que me interessa especialmente, que me apaixona... O dr. Salazar, que tem a rara qualidade de saber ouvir, de deixar falar quem é sincero, dá-me razão, mais uma vez:
- Está na verdade, na triste verdade. É um problema que sentimos, igualmente, a necessidade de atacar de frente, porque os meios só se elevam, só se iluminam, como o senhor disse no seu elogio da Política do Espírito, através das artes e das ciências. Mas não se esqueça que só as circunstâncias do País nos permitem começar a pensar nesses problemas. Não se esqueça do atraso em que nos encontrávamos no capítulo de certas necessidades fundamentais que estavam mesmo antes do culto da arte, se bem que a beleza seja alimento indispensável do espírito. Como queria que eu encomendasse para os palácios nacionais uma estátua ou um quadro, se nalguns chovia como na rua, quando tomei conta do Ministério das Finanças? Os problemas têm de ser seriados e resolvidos pela sua ordem. É ridículo mandar vestir casaca a um homem que não tem camisa… Por outro lado não é o Estado que tudo compete; a iniciativa particular pode fazer muito por essa renascença. Assim, não sei se os nossos editores…
- Não defendo os nossos editores, respondo. Os editores portugueses têm, na verdade, o excessivo culto dos consagrados, e poucas vezes se atrevem a lançar um nome novo, uma personalidade nova.

O Notícias Ilustrado, Ano II, Série II, nº41, 24 de Marçoo de 1929
1933
1937 - Expo-Paris
Definitivos - 1928
S – Não discutimos Deus e a virtude; não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o dever de trabalhar.
1934
1930
1939 - Casa-de-Portugal em-Paris
1934
S – Effectively protected in its formation, its preservation and development, the family must exercise, through the voice of its head, the right to elect membersof the administrative bodies, at least those of its own parish, as the parish is nothing more than the natural expression of the homes and hearths and the common interests associated with them. We believe this is how individual citizens have well-founded political rights.

Mas não os carreamos também excessivamente? Não esqueça o sr. Presidente do Ministério os impostos pesadíssimos sobre a importação do papel, cuja responsabilidade pertence ao sr. Ministro das Finanças…
E o dr. Salazar, com um sorriso:
- Apresentar-lhe-ei essa reclamação…
E eu, aproveitando a excelente oportunidade de desabafar, de dizer tudo:
- Mas temos ainda o teatro, a música, a pintura, a situação dos artistas novos…
- São tudo assuntos – anima-nos o dr. Salazar – que hão-de de ser resolvidos, lentamente mas definitivamente. O que fiz pelo Teatro Nacional foi pouco, sem dúvida, mas procurei aliviar, em todo o caso, a actual empresa dos encargos das obras a que foi obrigada por contrato e que se lhe tornavam a vida impossível. Concordo também que é necessário dar vida ao Teatro de S. Carlos reatando as suas tradições. A defesa do nosso património artístico é das maiores obras da Ditadura, das maiores e talvez das menos conhecidas. A reconstituição meticulosa, quase religiosa, do que tínhamos e estava em riscos de perder-se, ou quase perdido já, prossegue sem descanso: depois dos templos, os castelos, os monumentos do arte militar.

Ao lado de uns e outros, os museus, os palácios nacionais: Queluz, Mafra, os dois de Sintra, a Ajuda, as Necessidades levam ainda três a quatro anos e muitos milhares de contos a reconstruir e a alindar…
- Perdoe-me lembrar-lhe que se é justo e necessário pensar na conservação do nosso património artístico, é igualmente justo, e talvez mais urgente, pensar na arte viva que deve acompanhar a nossa evolução, que deve ser a expressão do nosso momento. Há aí duas dúzias de rapazes, cheios de talento e mocidade, que espera, ansiosamente, para serem úteis ao seu País, que o Estado se resolva a olhar para eles. Perdoe-me que lhe cite Mussolini, mais uma vez: «A Arte, para nós, disse ele, é uma necessidade primordial e essencial da vida, a nossa própria humanidade».
E Salazar, demonstrando-me a largueza do seu espírito, disposto a abrir-se a todas as inovações:
- Estamos de acordo. O pensamento e o espírito não devem parar. Há que estimulá-los e dar-lhes um movimento continuo. Diga, portanto, a esses rapazes que tenham confiança e que saibam esperar…

Portugal não é um país pequeno
Exposição Paris 1937
Mapa de Portugal Insular e Imperio Colonial
O Problema da Censura

eu compreendo que a censura os irrite – responde-me o dr. Salazar – porque não há nada que o homem considere mais sagrado do que o seu pensamento e do que a expressão do seu pensamento. Vou mais longe: chego a concordar que a censura é uma instituição defeituosa, injusta, por vezes, sujeita ao livre arbítrio dos censores, às variantes do seu temperamento, às consequências do seu mau humor. Uma digestão laboriosa, uma simples discussão familiar, podem influir, por exemplo, no corte intempestivo duma notícia ou da passagem dum artigo. Eu próprio já fui em tempos vítima da censura e confesso-lhe que me magoei, que me irritei, que cheguei a ter pensamentos revolucionários…
- Porque não a revoga, nesse caso?
- Não o fazemos pelas razões que lhe direi, mas tentamos reduzir a sua acção ao indispensável. Não é legitimo, por exemplo, que se deturpem os factos, por ignorância ou por má fé, para fundamentar ataques injustificados à obra dum Governo, com prejuízo para os interesses do País.

Seria o mesmo que reconhecer o direito à calúnia. Os factos são os factos e não pode permitir-se que se ponham em dúvida os actos ou os números que traduzem a própria vida do Estado, se há quem se lembre de fazê-lo, como em Portugal. É uma questão de decoro e dignidade pública. Podem discutir se as directrizes e os princípios duma política, da política financeira, por exemplo, mas quem é que na Inglaterra ou na Suíça, ou em qualquer país culto, se lembraria de pôr em dúvida as próprias contas do Estado? Chega-se a acusar o Estado, por acinte ou por falta de informações, de não fazer o que já está fazendo ou até de não fazer o que já está feito… Não se justificará a censura, nestes casos, como elemento de elucidação, como correctivo necessário? Para evitar o mais possível o trabalho da censura neste domínio, penso em criar um gabinete de informação a que os jornais poderão recorrer, quando quiserem, para se munirem de elementos necessários à análise, e até à crítica, da obra do Governo. Mas confesso não ter demasiada fé na instituição, porque já fiz uma ligeira experiência que não deu nada.

S  — A unidade moral e religiosa… … infelizmente, não existe em parte alguma, mas cada nação possui ainda uma reserva de sentimentos cuja nobreza deveríamos exaltar para não a deixar perder-se. A elite que detém esses sentimentos diminuirá cada vez mais na loucura do nosso tempo, em que a sede dos prazeres materiais e a dissolução dos costumes corromperam a riqueza e as suas fontes, o trabalho e as suas aplicações, a família e o seu valor social.

Para evitar mal entendidos, erros compreensíveis, por vezes, em matéria tão delicada como a das Finanças, pus o gabinete do meu Ministério, desde a primeira hora do meu Governo, à disposição dos jornalistas que desejassem esclarecer-se. Pois em quatro anos creio que apenas dois se aproveitaram deste oferecimento. Isso não impedia, no entanto, que se continuassem a dizer as maiores barbaridades sobre matéria que não pode nem deve estar sujeita a devaneios ou fantasias.
- Seria esse gabinete de informação, em todo o caso, o primeiro passo para a abolição da censura? – pergunto com certa esperança.
E Salazar, desbravando terreno, caminhando passo a passo:
- Vamos devagar… Temos agora o aspecto moralizador da censura, a sua intervenção necessária nos ataques pessoais e nos desmandos de linguagem. A nossa Imprensa, que tem melhorado consideravelmente, oferecia-nos, por vezes, nalguns dos seus órgãos, a triste imagem dum saguão: intrigas, insultos, insinuações, pessoalismos, provincianismos, baixa intelectualidade.

1940
1941 - Mapa Portugal
1941 - Revista panorama
A Aldeia mais portuguesa de Portugal
1943 - Revista panorama
1942 - Verde Gaio
TAP - Anos 40
L Art Populaire au Portugal

Ora o jornal é o alimento espiritual do povo e deve ser fiscalizado como todos os alimentos. Compreendo que essa fiscalização irrite os jornalistas, porque não é feita por eles, porque se entrega esse policiamento à censura que também pode ser apaixonada, por ser humana, e que significará, sempre, para quem escreve, opressão e despotismo. Mas vou oferecer-lhes uma solução para este problema, para esse aspecto da questão: por que não se cria uma Ordem dos Jornalistas como se criou uma Ordem dos Advogados? Dessa forma, o papel moralizador da censura passaria a ser desempenhado pelos próprios jornalistas e dentro da sua classe. Não lhe parece uma boa sugestão?
Apresso-me a responder:
- Não é a primeira vez que ela nos ocorre e creio que os meus camaradas a estudariam com prazer, até com alegria, se essa Ordem dos Jornalistas trouxesse o fim da censura…
E o dr. Salazar, seguindo o seu caminho sem me responder:
- Resta ainda um aspecto em que a censura é forçada a intervir, de quando em quando: o aspecto doutrinário. Esse aspecto tem duas faces.

1946 - Salazar - cover of Time Magazine, July 22, 1946 - capa da revista Time
Eden
1946 - Exposição Politica do Esprito
Cartaz 1946 - Exposição Politica do Esprito
1945 - Hotel Batalha
1947
1940 - Casa de Portugal em Paris 64
1940 Exposição do Mundo Português Guia Oficial
Belem 1945
Belem
1940 Exposição do Mundo Português
1940 Exposição do Mundo Português Planta
1940 Arquivo Nacional
1940 Exposição do Mundo Português 2
1940 Exposição do Mundo Português Guia Oficial 2
1940 Exposição do Mundo Português Guia Oficial 3

Ciência pura, mesmo no terreno político, doutrino pura, doutrina sem acinte, doutrina com boa fé, de intuitos superiores e reformadores, é absolutamente legítima e demos já instruções para que não lhe cortem as asas, para que a deixem viver. Mas há também a doutrina com aplicação imediata, a doutrina subversiva, demasiado habilidosa, claramente habilidosa. Perante essa doutrina a censura, infelizmente, não pode deixar de actuar, porque se transforma, nesse momento, na função natural dum regime de autoridade…
- Mas por que não substituí-la por uma lei de Imprensa, mesmo severa?

E Salazar, dentro do seu critério realista:
- Seria uma óptima solução se os tribunais dessem o rendimento necessário em delitos dessa natureza. Mas a experiência diz-nos o contrário…
Não posso evitar este reparo:
- Não estará o sr. ministro, neste momento, em contradição com o seu espírito jurídico?...
E Salazar, corajosamente:
- Talvez, mas há males necessários… Uma boa lei de Imprensa pode reprimir certos abusos. Mas não os evita…

O Passado e o Presente: Política do Espírito, Parte 2

contornamos agora, sempre no mesmo passeio lento e despreocupado, o grande edifício do Instituto Superior Técnico, obra do Engenheiro Duarte Pacheco, autêntico monumento erguido ao trabalho nacional. Em frente da escadaria da entrada principal do Instituto, num grande largo, operários azafamados, impecáveis nos seus macacos de flanela branca, armam um palco e alinham uma plateia. Explico a Salazar, que tem um olhar interrogativo:
- É o Teatro do Povo do S.P.N., que ensaia, em Lisboa, a primeira representação da sua temporada anual antes de abalar para a Província. Não imagina o êxito desta iniciativa, que se completa com a peregrinação incessante, através do País, de três cinemas ambulantes. A chegada dos nossos camiões-elefantes aos lugarejos mais escondidos da terra portuguesa, aldeias risonhas do Minho, «ninhos de águia» da Beira, burgos sonolentos de Trás-os-Montes, vilas alentejanas e algarvias, de branco vestidas, é sempre um grande acontecimento, o pretexto para simpáticas e alegres festas locais que se prolongam até altas horas, sementeira de imagens, sonhos acordados, nas terras sem história e sem romance.

Com o renascimento do nosso folclore, que terá a sua apoteose no concurso da Aldeia mais Portuguesa, com a atribuição anual de prémios literários, nacionais e internacionais, com a próxima reabertura do Teatro de S. Carlos, com a sua boa organização da Orquestra Sinfónica da Emissora Nacional, com a restauração dos monumentos nacionais, com o desenvolvimento visível das nossas artes gráficas, com a vitória dos nossos decoradores nas exposições nacionais e internacionais, com a obra notável da Junta Nacional da Educação, a Política do Espírito, palavra de ordem do Estado Novo, deixou de ser uma aspiração para ser um facto. Tinha razão o Chefe do Governo português quando me dizia, há seis anos: «Diga a esses rapazes que tenham confiança e saibam esperar».
E Salazar, com o seu equilíbrio habitual, sem se deixar contagiar pelo meu entusiasmo:
- Alguma coisa se tem feito, mas, na verdade estamos ainda longe do fim, se é que há termo a esta aspiração indefinida do melhor.

Anuario de Turismo Portugal Pais de Turismo
Portugal - Muitas raças uma nação
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Portugal - Nazaré
Visit Portugal
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Portugal Revista
Portugal Exposição Bruxelas 1958
S – Queremos, pelo contrário, que a família e a escola imprimam nas almas em formação, de uma forma indelével, esses altos e nobres sentimentos que caracterizam a nossa civilização e o amor profundo da Pátria, semelhante ao amor daqueles que a fizeram e a engrandeceram ao longo dos séculos

O problema do Espírito, seja artístico, seja literário, é sempre delicado. Até onde deve, até onde pode ir a intervenção do Estado? Exemplos alheios provam-nos à saciedade que transformar artistas e escritores em funcionários públicos significa, praticamente, proibi-los de criar. A arte não é um livro de ponto. Se passa a constituir uma obrigação, um dever, deixa de existir ou finge que existe, isto é, cábula. Por outro lado a época dos Mecenas já lá vai. Na transformação das condições económicas e sociais a que assistimos, no empobrecimento sucessivo das grandes famílias de origem e tradição rurais, ricas, estáveis e cultas, protectoras, por sentimento e necessidade, das elevadas criações do espírito, e cuja acção não pode ser substituída pela dos milionários enriquecidos à pressa e empobrecidos, outra vez, por audaciosos jogos de bolsa, só o Estado se nos apresenta com meios para substituir, ainda que deficientemente, os antigos Mecenas ou até os Reis de outros tempos.

Amália
Viarco
Tabaqueira
Vimeiro
Crónica Feminina

E digo deficientemente, pois ser-nos-ia impossível, obrigados como somos a substituir por inúmeras necessidades públicas as receitas do Tesouro, despender verbas semelhantes às que sabemos terem sido destinadas noutras épocas aos monumentos religiosos ou militares. Compare o que hoje fazemos com Mafra ou com a Batalha. Aliás, a causa da actual decadência da Arte e da Literatura parece ser estranha à acção do Estado e estar antes ligada à feição da vida de hoje. As grandes obras constroem-se no silêncio, e a nossa época é barulhenta, terrivelmente indiscreta.

Hoje não se erguem catedrais, constroem-se estádios. Não se fazem teatros, multiplicam-se os cinemas. Não se fazem obras, fazem-se livros. Não se procuram ideias, procuram-se imagens. Por outro lado, os meios mecânicos – o fonógrafo, a telefonia, etc. – matam a produção, congelam-na. A vida é, assim, toda exterior, toda artificial. Por isso, entre os artistas, só os arquitectos e os urbanistas têm cada vez mais que fazer.

Política do Povo

aproveito esta boa disposição:
- O povo gosta, na verdade, que pensem nele, que procurem diverti-lo, acarinhá-lo… «Contentar o povo e não descontentar os grandes, eis a máxima dos que sabem governar», disse Maquiavel, que não era tão feio como o pintavam.
- Tem razão – concorda o dr. Salazar -. E a Exposição Industrial provou-o bem. Não imagina, porém, como é difícil mexer com a nossa raça adormecida, sobretudo com os nossos apáticos serviços. Eu vou contar-lhe um episódio que parece ridículo, superficial, mas que prova como se torna difícil ao próprio Governo realizar as coisas mais simples contra os hábitos adquiridos. A música, na minha opinião, é um dos grandes elementos dessa animação do povo. Pensei que seria interessante e útil aproveitar as bandas regimentais, caras mas boas, para dar concertos, aos domingos e quintas-feiras, por exemplo, nos jardins de Lisboa e por essa província fora. Pois todos os esforços tem sido inúteis, até agora, apesar da boa vontade do sr. ministro da Guerra. E não se admire se eu tiver de ir qualquer dia tratar pessoalmente dos coretos e das bandas. Penso também em sugerir à organização de grandes espectáculos de cinema popular onde o povo possa entreter-se, simultaneamente, com filmes educativos e com filmes que o divirtam.

Convenceremos assim o povo, pouco a pouco, de que pensamos nele, de que a sua felicidade e o seu bem-estar constituem uma das nossas maiores preocupações…

O Problema Colonial

Regresso do estrangeiro mas aproveito a viagem, o movimento da conversa, para ir longe, para chegar aos nossos domínios ultramarinos:
- Tem lido o que se diz na Alemanha a propósito das nossas colónias, de Angola, sobretudo?
- O caso explica-se – responde-me Salazar, sem alarme, sem inquietação – pelo facto do Tratado de Versalhes ter desapossado a Alemanha das suas colónias e ter feito na Europa alguns cortes infelizes. Daí a atitude de alguns alemães exaltados, aflitos com o aumento da população do seu país, com a sua respiração de grande potência, e que se agarram, para desabafar, a todas as hipóteses, mesmo àquelas em que não se faz distinção do que é próprio e do que é alheio.

S — A gravidade da vida não implica necessariamente o luto da tristeza, o pessimismo, o desencorajamento; ela é, pelo contrário, muito compatível com a alegria do povo, as brincadeiras, a graça e o riso.”

O problema tem de ser acompanhado: eis tudo.
Recordo uma das minhas entrevistas:
- Foch disse-me um dia que nós, portugueses, só tínhamos um processo para defender as nossas Colónias, para as colocar acima de todos os apetites: administrá-las bem…
E Salazar, concordando e alargando o conselho:
- Foch tinha razão, mas eu direi antes: administrá-las bem e fazê-las, principalmente, administrarem-se bem…
Aponto-lhe o alvo:
- O problema das transferências é um problema aflitivo, uma chaga constante…
- Impossível de resolver – acode Salazar com energia – enquanto o orçamento de Angola não estiver solidamente equilibrado. Equilibrem-se as despesas com as receitas, fazendo tudo, ao mesmo tempo, para aumentar a exportação, firme-se o crédito da colónia, e o problema resolver-se-á satisfatoriamente como nós aqui o resolvemos.

Nós também tivemos, com a falta de cambiais, o problema das transferências. Equilibrado o orçamento, firmando o crédito do Estado, o problema ficou resolvido automaticamente. É claro que havia ainda outro processo radical para resolver a crise de Angola: inscrever, se os tivéssemos, cinquenta mil contos, anualmente, no orçamento geral do Estado para lhe tapar os buracos.
Mas Angola não é uma quinta: é o esboço dum império…
- A Situação não tem melhorado, ultimamente? – pergunto com instintivo optimismo.
- Consideravelmente! – tranquiliza-me, com vivacidade, o Chefe do Governo -. O sr. dr. Armindo Monteiro tem trabalhado muito no seu ministério e tem feito o possível para aproximar Angola do Terreiro do Paço, para quase a governar como se lá estivesse. O último orçamento apresentou-se já equilibrado, ainda que com grande sacrifício da Metrópole, e as consequências desse equilíbrio começam a fazer-se sentir.

1964 - Belarmino
Monumental
Lisboa Autocarro
Lisboa Metro
Lisboa Carro
Lisboa Europa
S – Desejamos que o maior mérito das nossas instituições seja trazer a marca da sua origem portuguesa

Mas é necessário ainda que esse equilíbrio entre nos hábitos da Província. Só assim Angola encontrará facilidades de crédito que ainda hoje não tem. Firme-se o crédito de Angola e ela não terá dificuldade em levantar as importâncias precisas nas horas difíceis, nos défices inesperados, com a certeza geral de que a nossa colónia tem as possibilidades morais e materiais de honrar os seus compromissos…
- Mas tem fé no futuro das nossas Colónias? Acredita no seu ressurgimento?
E o realizador, o homem de hoje, cedendo passo ao sonhador, ao homem de amanhã:
- Acredito, e só acreditando poderemos conquistar esse futuro. As nossas Colónias deveriam ser as grandes escolas do nacionalismo português. Por elas deveriam passar, obrigatoriamente, a maioria dos oficiais do Exército, todos aqueles em que é preciso manter aceso o culto da Pátria e o orgulho da Raça. Para as comandar, para as administrar, deveria escolher-se o melhor pessoal, o mais digno, o mais habilitado, nunca o rebotalho da Metrópole. Se queremos ser um grande país colonial, se queremos olhar Angola como um Portugal Maior, temos de mudar de processos, de mentalidade, temos de ir para as nossas Colónias como quem não sai da sua terra, como quem não vai para o estrangeiro…
Deve ser já tarde. Na penumbra do escritório da Rua do Funchal, quadro modesto, a máscara de Salazar recorda-me o perfil da máscara de Dante, dessa máscara severa, esguia e contida, fortificação medieval duma vida interior, vasta como o próprio Mundo… Vou protestar contra mim próprio, contra a imagem arrojada e paradoxal, quase ridícula, quando oiço a voz de Salazar apontando-me um ramo de orquídeas, um ramo de versos sobre a secretária:
- Veja a delicadeza destas flores… Que maravilha…
Olho para o ramo de orquídeas, olho para o Orçamento Geral do Estado, ainda aberto, despeço-me de Salazar e a imagem de Dante acode-me de novo… Talvez, afinal, eu tenha razão, talvez haja poesia, poesia heróica, na rima clara e sonora das contas certas…

Good Morning in Portugal
Good Morning TWA
Cartaz Turistico
Fado Portugal
Inverno no Algarve
Travel Tips Portugal
Portugal 60's
Portugal 60's - 2
Portugal 60's - 3
Revista Panorama
Inauguração Ponte Salazar
Exposição Henriquina
Cerveja Cuca
Revista Menina e Moça
Revista Seara Nova - Maio 1969
Semanário da Radiotelevisão Portuguesa 1960
Sacor
Algarve Ilustrado
Repensar Portugal
Terceira posição há — difícil, desgraçada e árdua, de poucos seguida, de poucos entendida, caluniada de muitos, pode-se quase dizer que desprezada de todos. Raros a ocupam, raros deixaram ainda de morrer nela sós como entraram, abandonados e malquistos. [...] Mas os povos têm o entendimento difícil e a memória curta: hão-de ir-se educando à sua custa. — Garrett

que o português médio conhece mal a sua terra — inclusive aquela que habita e tem por sua em sentido próprio — é um facto que releva de um mais genérico comportamento nacional, o de viver mais a sua existência do que compreendê-la. Descaso de consequências inumeráveis ou desprendimento sublime, herança contemplativa ou simples reflexo de uma urgência vital que nunca deixou muita margem para teoria, esse comportamento é o responsável pelo penoso e já antigo sentimento que no século XIX foi quase o lugar-comum dos seus homens mais ilustres, de que estamos ausentes da nossa própria realidade.

Para confirmar às avessas esse patológico pendor de viver como se entre o que somos e o que conhecemos de nós nos fosse necessário esse véu de incúria pelo que José Régio chamava «as nossas coisas», é o português mais dotado que ninguém para viver de imagens, mitos, sugestões, delirante curiosidade por tudo quanto vem de fora. Podia pensar-se que uma época de nacionalismo político e cultural como quis ser, e foi em parte, a do antigo regime, teria alterado esse estranho comportamento.

Senhor SO Século Ilustrado - Documento 25 de AbrilRevista do PovoFlama Junho 1975Vida MundialRevista Opção - SalazarTime - Red Threat in PortugalFlama - Dezembro 1975Flama - Quem perdeu a revolução?

É exacto que, ao nível da erudição, do folclore, da própria historiografia, alguma coisa se fez no sentido de um conhecimento mais sério e concreto dos vários aspectos da realidade portuguesa, renovando a herança e as aquisições que do romantismo até aos Matos Sequeira, os Jaime Lopes Dias e os Abade de Baçal, passando pelos Teófilos, Adolfos Coelhos, Carolinas Michãelis e José de Vasconcelos, contribuíram para tornar mais cerrada a tapeçaria da nossa experiência viva de portugueses. Infelizmente, a muitos desses preciosos e insubstituíveis conhecimentos faltou um mínimo de articulação capaz de os extrair da mera descrição empírica, e, na época de Salazar, obras valiosas ficaram eivadas de folclore superficial ou de proselitismo nacionalista que lhes limita o papel de «reveladoras» a que estavam destinadas.

Ao lado delas, outras houve que, por conhecidas e memoráveis, é escusado citar, através das quais se prosseguiu uma espécie de contra-imagem daquele outro conhecimento das nossas coisas e de nós mesmos que pecavam por ingenuidade metodológica ou por voluntária e agressiva apologia de uma visão conservadora, idealizante, da realidade portuguesa. Sem falar da «contra-imagem» cultural mais activa dos últimos cinquenta anos nesse campo — contra-imagem aliás mais dúbia e complexa do que o dão a supor muitos dos continuadores da sua inspiração — quer dizer, da de António Sérgio, é em estudos particularizados acerca dos diversos aspectos da vida portuguesa que melhor se revela e tem actuado.

O 25 Existiu?

Referimo-nos a obras como as de Magalhães Godinho, Luís Albuquerque ou Barradas de Carvalho, que renovam a visão tradicional do tema «Descobertas», às de Mário Martins, Pina Martins, sobretudo à de Silva Dias, que propõem uma outra leitura de acontecimentos culturais decisivos para a nossa autognose enquanto medievos, renascentistas, seiscentistas ou oitocentistas, obras que não se articulam segundo idênticas ou paralelas clivagens, mas que têm em comum a vontade de «renovar» ao rés-dos-textos (históricos, cartográficos ou culturais) uma imagem (ou imagens) do devir nacional de conhecido e forte impacte, mas quase todas elas imbuídas de uma potente e estruturante perspectiva «ideológica».

Pertencem a este tipo as grandes contribuições culturais de António José Saraiva, Óscar Lopes, Augusto da Costa Dias, Alberto Ferreira, e, sob um ângulo diferente, mais sociologizante e, no que diz respeito aos últimos, mais classicamente universitário, as obras de Joel Serrão, de Jorge de Sena, de Manuel Antunes, de José Augusto França, de Coimbra Martins, de Maria de Lourdes Belchior e de Jacinto do Prado Coelho.
Estes últimos anos, com natural fixação dos interesses culturais imediatos nos domínios da política, da polémica, do questionamento ideológico, obscureceram em excesso uma me-tamorfose muito mais profunda dos diversos campos que contribuem para o acesso da cultura portuguesa a uma autognose, ao mesmo tempo mais estruturada, mais complexa, rica e inovadora.

Quem perdeu a Revolução?

Sob ou à margem da preocupação ideológica militante — e igualmente subdeterminada pela sua exigência apareceram em público autores e obras que renovam profundamente a imagem dos Portugueses sobre Portugal e, em particular, naqueles campos cuja abordagem estava, por assim dizer, bloqueada pela necessidade imperiosa do antigo regime de evitar olhar a fundo a realidade portuguesa. Seria injusto atribuir ao 25 de Abril esta abertura nova, pois já os últimos dez anos do antigo regime tinham visto surgir iniciativas nesse sentido, paralelas e coerentes com a vontade de aggiornamento que existiu nas camadas tecnocráticas e mais liberalizantes do salazarismo moribundo e do marcelismo. Não nos referimos às mudanças capitais no plano especificamente cultural que nunca esteve isolado da marcha geral europeia e paradoxalmente (ou não...) constituiu quase sempre um domínio hegemónico da «oposição».

1970
This is Mozambique
1970
Pan Am Advertising
TAP Advertising
Cigarros Porto
AGI Revista
AGI Revista - Interior
Deus Pátria Autoridade - Filme de Rui Simões
MFA - O Boato Ruivo
Um banco no dia a dia
Interail
Rock em Portugal
Laranjina
O Flagelo do nosso descontentamento

Basta pensar na metamorfose operada, quer na criação em geral (cinema, pintura, romance, poesia, teatro mesmo), quer na reflexão crítica, ecoando, com maior ou menor felicidade, a renovação internacional nesse domínio. À parte a aceleração cultural prodigiosa da era do consumo e da exploração planetária dos media, o fenómeno não é muito diferente do que sempre existiu em Portugal, ao menos tendo como sujeito e objecto a chamada classe «cultivada». A esse título, é claro que nada é mais decisivo em matéria de autognose pátria que o aparecimento de obra ou obras maiores através das quais a nossa imagem recebe ou anuncia uma perturbação qualitativa de tal natureza que é afinal e apenas no seu espelho que só nos damos conta do outro que somos, da pátria diferente que devimos.

Nem será por acaso que obras representativas das jovens gerações como as de Almeida Faria, Maria Velho da Costa, Nuno de Bragança ou Armando Silva Carvalho são, ao mesmo tempo que renovação ao nível da escrita, centradas sob a apropriação da nossa própria realidade enquanto nossa, como aliás já o eram obras capitais da autognose nacional como A Muralha, A Torre da Barbela, O Delfim, Bolor; Nítido Nulo ou Diálogo em Setembro.

Portugal Anos 80 - Diorama da nossa História Natural

curiosamente, a preocupação por Portugal enquanto destino histórico e autónomo específico, e não apenas como cenário de uma aventura de alma intemporal (Régio) ou universal, em termos de luta social (o neo-realismo), fora durante o antigo regime quase um exclusivo de uma forma de nacionalismo místico equívoco, oscilando entre a referência a Hegel e os manes fraternos e ciosos de Pascoaes e Fernando Pessoa. Uma certa forma de provocação dogmática de cariz político não-oficial, mas bem inserida na ideologia reinante, cujo chefe de fila foi Álvaro Ribeiro, suscitou o entusiasmo de discípulos de muita diversa qualidade e o sarcasmo ou a indiferença da cultura racionalista reinante. Contudo, o famigerado movimento da célebre «filosofia portuguesa », a que homens como José Marinho deram a sua caução sibilina, não foi apenas um reflexo oportuno e oportunista do triunfalismo nacionalista desvairado reinante (em particular com as suas formas apologéticas do «humanismo lusíada» e rêverie imperial que elevou a graus de paranóia que nos custaram caro), mas uma reacção, em boa parte justificada, contra o pendor mimetista e o consequente descaso que ele implica de inatenção a nós próprios.

O reaccionarismo confesso ou implícito da maioria dos seus corifeus foi também reacção contra uma imagem da cultura portuguesa, de perfil essencialmente negativo, herdado da Geração de 70, e nunca criticado à esquerda como o devia ter sido. O «pessimismo» da mais célebre falange moderna deve ter uma leitura positiva, sem ser necessário interinar o irrealismo que também nele se infiltrou e serviu logo à eterna direita lusitana para reidealizar a realidade portuguesa em termos ainda mais irrealistas do que aqueles de que a filosofia portuguesa fez, nos seus autores mais militantes, uma espécie de privilégio. Pese embora ao que há de inaceitável por arbitrário ou peremptório no seu estilo ou nos seus argumentos, essa «reacção», obcecada pela busca da nossa especificidade, mesmo se só concebe essa busca em termos de profetismo prático, vaticínio, voluntarismo desorbitado e de raiz ressentida, representou bem a consciência de uma viragem necessária na postura dos Portugueses diante da sua aventura colectiva.

Adesão à CEE assinada nos Jerónimos

Bastará confrontar as duas versões do capítulo «Sagres» de Portugal de Miguel Torga para compreender até que ponto nos fins dos anos 40 a voga de nacionalismo representada então pelos homens da «filosofia portuguesa» podia inflectir no autor dos Bichos, um dos raros presencistas com o sentido do concreto nacional, o seu habitual pessimismo de tradição e inspiração bebida em Oliveira Martins... Recentemente, três intelectuais portugueses (João Medina, António Quadros, José Augusto Seabra), de formação e ideologias muito diversas, esboçaram uma polémica em torno da imagem de Portugal, ou antes, da nossa relação com ela, provocada por um artigo irónico, muito «Geração de 70», de um especialista e admirador dela, João Medina, intitulado «Portugalinho». Foi pena que, como de costume, o excelente pretexto da reconsideração da nossa nova realidade no contexto mundial, evocada por João Medina, tivesse degenerado em polémica brava e equivocada de ambas as partes, pois é urgente, de facto, repensar a partir do país que devimos após o refluxo africano, a totalidade da nossa aventura histórica, o que infelizmente não foi o caso.

Correio da Manhã
Revista Sábado Diários dos Ministros de Marcello
Portugal Socialista
Anos 80 Lisboa Amoreiras
Presidente da Republica Amoreiras
Mário Soares Amoreiras

Mas repensá-la não apenas em função das imagens e contra-imagens mais actuantes da nossa herança cultural incuravelmente maniqueísta, e sobretudo de origem estético-literária, ou afim, como tem sido quase sempre o nosso caso. Sem as descurar, tais imagens devem ser agora confrontadas, perspectivadas, acaso rebatidas e seriamente questionadas em função de um conhecimento mais aderente à causa viva da realidade nacional, à sua opacidade resistente, à sua acaso tenebrosa carência estrutural, mas à qual não é possível fugir oferecendo-lhe modelos ou módulos de interpretação que na aparência a clarificam com um excesso funesto, pois dessa clarificação nem fica o resíduo de uma colectiva tomada de consciência que nos seria com mais verdade na nossa autêntica realidade, nem os instrumentos aptos a modificá-la segundo o ritmo e as exigências compatíveis com o nosso destino razoável de portugueses.

Da economia, macro e microscópica, da sociologia, da etnografia, da psicologia social, da antropologia, da psicanálise histórica e social, não como campos de estanque e esterilizante saber, mas como elementos de um puzzle adequado ao nosso mistério próprio, se pode e deve esperar a renovada imagem capaz de substituir a polarização esquizofrénica da nossa cultura em torno de ópticas globais, decerto elas mesmo justificáveis, mas em excesso simplistas, autistas, sem referência interior vivida e séria àquilo que negam e que ao fim e ao cabo as faz viver. Esta perspectiva não é uma mera formulação ou apelo a uma metodologia sincretista, informe e sem princípios, apta a fornecer da nossa autêntica existência de portugueses uma espécie de nevoeiro divino onde as tensões, os conflitos, quando não o horror ou a mediocridade de um viver comum, se dissolveriam magicamente.

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É apenas a renovada proposição de uma imperiosa urgência ressentida há mais de trinta anos, num momento em que os Portugueses e a sua história se viviam com escandaloso fervor ou impotência, como nação e antinação, sem que o passado mesmo pudesse escapar a um maniqueísmo de superfície e ainda por cima lido às avessas ou não muito longe disso. Não é possível construir nem viver de uma imagem nacional asséptica, à margem de toda a hipótese ideológica, ou, se se prefere, de qualquer preconceito explícito. Mas, justamente por isso, nada é mais necessário do que rever, renovar, suspeitar sem tréguas as imagens e os mitos que nelas se encarnam inseparáveis da nossa relação com a pátria que fomos, somos, seremos, e de que essas imagens e mitos são a metalinguagem onde todos os nossos discursos se inscrevem. Existe naturalmente, mau grado o descaso já verberado pelos clássicos, acerca do que somos e fazemos, uma soma considerável de informações de toda a ordem. Que deixam a desejar, que não têm nem a espessura, nem a audácia, nem o intrínseco dinamismo de outras similares filhas de cultura em permanente estado de autocrítica, de polémica, de reajustamento, é um facto. Mas o doloroso sentimento com que cada português vive de não ter ao seu alcance aqueles múltiplos e esplendorosos espelhos em que as culturas privilegiadas se podem rever de um só golpe de vista e em corpo inteiro, se se deve — à factual inexistência de comparáveis e renovadas reestruturações das «imagens» da totalidade nacional, podia ser em parte compensado por uma maior vigência de obras em que a nossa imagem se refracta ou, melhor dito, se dispersa. Fragmentos preciosos do conhecimento de nós mesmos — muitos deles e não dos menos relevantes devido ao olhar dos outros — não faltam na nossa insatisfatória mas sempre activa produção cultural. O que é mais grave — porque é até em parte de ordem técnico-cultural — é que esses fragmentos existem eles mesmos num espaço de comunicação fragmentada, à mercê de um tipo de existência quase clandestina (submersos pelas toneladas de uma informação internacional em grande parte sobrevalorizada), e mais tristemente ainda menosprezada, sem leitura produtiva, pelo simples facto de serem nossos.


Citar um autor nacional, um contemporâneo, um amigo ou inimigo, porque nele se aprendeu ou nos revimos com entusiasmo, é, entre nós, uma raridade ou uma excentricidade como usar capote alentejano. A referência nobre é a estrangeira por mais banal que seja, e quem se poderá considerar isento de um reflexo que é, por assim dizer, nacional? Vivemos todos como se não concedessem o crédito — um crédito vivificante e não a simples utilização partidária que fazemos dos outros — à produção cultural portuguesa, como o não concedemos à moeda em época de crise. Vivemo-nos sob o modo de um desenraizamento histórico singular que só na aparência é negado pela exaltação sentimental com que nos vivemos enquanto portugueses. Imagens positivas de nós mesmos abundam na nossa memória colectiva e cultural e até com extremos de exaltação que só tem paralelo nos povos semitas ou naqueles que são nossos herdeiros. Imagens negativas também não faltam, sobretudo a partir da crise nacional do século XIX e da descolagem fulgurante da Europa da revolução industrializada.

Mas nem uma nem outras, salvo raríssimas excepções, estão isentas de preconceitos passionais. Sobretudo, nem umas nem outras são o resultado de um exame aprofundado da realidade portuguesa em todos os seus aspectos, mas o resultado do reflexo político-ideológico quase sempre de conteúdo urbano e subdeterminado por motivações patrióticas confessadas ou implícitas, de encarecimento ou denegrimento provocatório com função estimulante, como foi o caso quase geral da Geração de 70. Em todas essas imagens é menos um presente concreto que é objectivo de referência que um passado ou um futuro mistificado para justificar a esperança desmedida ou a descrença brutal nos destinos pátrios.

Se pudessem parar de fazer para não fazerem nada, enquanto não param de todo

esta descentragem permanente dos Portugueses da sua própria realidade não tem sempre o mesmo perfil, e houve uma época em que praticamente não existiu ou não se manifestou sob formas tão aberrantes como as que o criticismo e o ultranacionalismo do século XIX e parte do XX conheceram. Está em relação com o fosso tecnológico que se abriu e cavou entre Portugal e a Europa da primeira e segunda revoluções industriais. Mas isto quer dizer que a centragem, o ajustamento connosco mesmo não terá lugar senão quando a desfocagem se atenuar, o que não é para os próximos tempos... Mas talvez que a «desfasagem » sempre existente não tenha hoje os mesmos componentes que no século XIX e que, paradoxalmente, essa mesma desfasagem tenha preservado um certo número de valores e um quadro de existência que em vez de nos devolver apenas a imagem de um arcaísmo deprimente e humilhante conserve uma sabedoria que custa nos países cuja comparação nos diminuía um preço exorbitante ou um sonho já impraticável.

Revista K - Cavaco Silva
Revista K
Revista K - Marcello Caetano
Expo 98

Reflexo profético ou mais que suspeito como o que guiou a pluma do autor de A Cidade e as Serras e da sua geração que acabou cantando em coro a palinódia da civilização? Alinhamento pela moda ecológica que entre nós seria pleonástica, num país como o nosso, imenso pinhal com duas cidades à beira-mar para servir de campo de aterragem às maravilhas demoníacas que outros marcianos descobrem por nós e nos oferecem (em troca de algum suor) como nós fazíamos na costa de África, nos séculos XV e XVI? Mesmo que quiséssemos transformar-nos no paraíso ecológico — que afinal quase somos quando comparamos a nossa realidade com a de outros países europeus —, não o poderíamos. Nem somos uma ilha, nem há ilhas imunes ao grande e devastador melting pot de todas as propostas sem cessar renovadas que os centros de criatividade mundial originam. O novo e minúsculo país que somos agora não decidirá sozinho da forma de vida e destino que serão os seus nos alvores de um século de fábula, de perfil imprevisível, mas sem dúvida cada vez mais «orgânico» ou antes «organizado» e autocontrolado, mas de um controlo a-humano, se nos referirmos aos critérios históricos até hoje vigentes. Mas pode por um conhecimento cada vez mais preciso, pormenorizado, prospectivo do que é (ou foi) e será, integrar o elemento desintegrador característico da agressividade tecno- científica de molde a não perder de todo a sua identidade própria ou, para empregar um conceito mais fluido, embora na aparência mais vago, a sua alma. Como todos os organismos sociais, uma nação é um sistema que cria espontaneamente certas defesas contra essa forma de agressão contra a sua identidade, mas o espontaneismo, aqui como no resto, é insuficiente.

Revista Expresso - 20 anos da nossa vida
O Independente - Press Troika
Semanário Olá
Politika
Revista Sábado
Lisboa 1994 - Capital Europeia da Cultura
Moeda 200 escudos
Expo 98 - Pavilhão Portugal

É em função de um conhecimento do essencial, daquilo que não podemos abandonar sem mutilação próxima e futura, que as escolhas decisivas para o nosso destino devem ser feitas. Na medida do possível é à totalidade do povo português, consciente e responsabilizado na sua prática a todos os níveis, que compete o autodeterminar-se, e não apenas a uma classe tecnocrático-burocrática, de aleatório saber, mas, sobretudo, de específica vontade de poderio e gozo de privilégios, a única que até hoje tem fabricado a imagem portuguesa em função da qual Portugal parece escolher-se «livremente», quando afinal é (e foi) apenas por ela escolhido. Poucos países fabricaram acerca de si mesmos uma imagem tão idílica como Portugal. O anterior regime atingiu nesse domínio cumes inacessíveis, mas a herança é mais antiga e o seu eco perdura. Para a «compensar », uma classe de ociosos colados como lapas às mesas dos cafés nacionais «parece» desenhar da mesma realidade «idílica» a contra-imagem permanente através de anedotas, piadas, graças que contrabalançam a hipertrofia da nossa autoconsciência.

Na verdade, os dois movimentos são complementares e o denegrimento, a má-língua que é entre nós uma tradição, faz parte do mesmo sistema irrealista e crítico. É uma forma de boa consciência, tipicamente burguesa, no fundo mais nociva que a imagem euforizante, parola de nós mesmos, que é espontânea e popular. Foi ela que nos serviu ao longo dos séculos para suportar o insuportável. O anedotário pátrio prolonga, glosa com secreta complacência, aquilo que em superfície crítica. De uma maneira geral, não vive de nenhuma espécie de humor, capacidade de se tomar o sujeito como objecto de irrisão ou crítica mas de sarcasmo, mauvais esprit, feito aliás quase sempre ao nível de mero trocadilho, e nunca ou raramente ao nível de invenção imaginativa, libertadora, corrosiva como a dos irmãos Marx, ou simplesmente «graciosa» em sentido próprio, filha de um estado de desprendimento, de «graça».

Expo 98
Expo 98 - Mapa

A graça portuguesa é maligna quase sempre, o que contraria um dos tópicos mais narcisistas da nossa tipologia mítica, a da «bondade de alma» e «brandura dos nossos costumes»... Isto não significa que esse «idilismo» da nossa imagem seja totalmente falso e sobretudo que não cumpra essa função de encarecimento de que precisamos para nos contentar um pouco, mas ainda aqui será necessário saber quem é o sujeito próprio dessa mitologia, quem concretamente foi fabricando como uma segunda natureza esta sobreestimação das nossas capacidades, realizações, tanto individuais como colectivas. Sobretudo, quem aproveitou com elas ou delas se aproveitou. Leccionados pela história — na medida em que ela pode leccionar uma colectividade que é uma das mais desmemoriadas que é possível conceber-se — chegou o tempo de nos vermos tais como somos, o tempo de uma nacional redescoberta das nossas verdadeiras riquezas, potencialidades, carências, condição indispensável para que algum dia possamos conviver connosco mesmo com um mínimo de naturalidade. Os Portugueses vivem em permanente representação, tão obsessivo é neles o sentimento de fragilidade íntima inconsciente e a correspondente vontade de a compensar com o desejo de fazer boa figura, a título pessoal ou colectivo.

A reserva e a modéstia que parecem constituir a nossa segunda natureza escondem na maioria de nós uma vontade de exibição que toca as raias da paranóia, exibição trágica, não aquela desinibida, que é característica de sociedades em que o abismo entre o que se é e o que se deve parecer não atinge o grau patológico que existe entre nós. O fenómeno «Cornélia» foi, nesse capítulo, exemplar. Um autêntico strip-tease, por classe burguesa interposta, de uma sociedade que quer ser vista, que quer existir com essa hipertrofia que só a imagem (irreal) fornece, por não existir a sério, na sua convivência quotidiana. Os Portugueses não convivem entre si, como uma lenda tenaz o proclama, espiam-se, controlam-se uns aos outros; não dialogam, disputam-se, e a convivência é uma osmose do mesmo ao mesmo, sem enriquecimento mútuo, que nunca um português confessará que aprendeu alguma coisa de um outro, a menos que seja pai ou mãe...

Repensar Portugal
De onde procede tão calamitoso comportamento que não é apenas intelectual mas ético? Sem dúvida do divórcio profundo entre a minoria «cultivada», que vive em estado de guerrilha perpétua e só pode exceder a sua vontade de poderio com o recurso dessa efracção em fractura da produção portuguesa sem distância para se poder impor como «interessante», e a massa anónima do povo português que não participa nesse debate. SILÊNCIO, ordens, preces, ameaças, elogios, censuras, razões, que querem que eu compreenda do que eles dizem, Eduardo Lourenço, 1978

costuma dizer-se que Portugal é um país tradicionalista. Nada mais falso. A continuidade opera-se ou salvaguarda-se pela inércia ou instinto de conservação social, entre nós como em toda a parte, mas a tradição não é essa continuidade, é a assumpção inovadora do adquirido, o diálogo ou combate no interior dos seus muros, sobretudo uma filiação interior criadora, fenómeno entre todos raro e insólito na cultura portuguesa. E a inserção do alígeno ou alógeno no processo da produção nacional que constitui a norma e institui o seu autor no papel de criador que nós entendemos sempre como invenção do mundo a partir de nada. Do nada que nos anteceda. De onde procede tão calamitoso comportamento que não é apenas intelectual mas ético? Sem dúvida do divórcio profundo entre a minoria «cultivada», que vive em estado de guerrilha perpétua e só pode exceder a sua vontade de poderio com o recurso dessa efracção em fractura da produção portuguesa sem distância para se poder impor como «interessante », e a massa anónima do povo português que não participa nesse debate.

Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura
Porto 2001 - Capital Europeia da Cultura
Euro 2004 - Portugal x Grécia - Final
Guimarães - Capital Europeia da Cultura
Guimarães - Capital Europeia da Cultura
Portugal Turismo
Portugal Turismo
Portugal Turismo
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Revista Sábado - Segredos de Salazar
Portugal está à beira da irrelevância, talvez do desaparecimento António Barreto, 2009 / Só temos o passado à nossa disposição. É com ele que imaginamos o futuro. Eduardo Lourenço, 1997

Depois do 25 de Abril, a possibilidade de participação dessas duas metades desiguais adquiriu um grau maior de verosimilhança, mas sob formas equívocas na sua grande maioria. Não é o povo que partilha agora melhor e com outro fervor da nova produção cultural, mas a franja escolarizada dele que já existia no antigo regime. De novo, aparece uma atenção de outro tipo que visa o povo, que conta inclusive com a sua hipotética colaboração, mas que durante muito tempo só poderá ser participação passiva, e não autodescoberta, quer dizer, autognose. A classe intelectual e o público em geral acedem a um grau superior de autoconsciência, com a descoberta de um Portugal oculto, por excesso de potência até, como excelentes filmes e algumas tentativas teatrais recentes o têm revelado (pensamos no famoso Trás-os-Montes e no teatro de Demarcy — Teresa Mota, Cornucópia, Grupo de Campolide, etc.) mas é necessário não ter ilusões excessivas quanto ao carácter dessa autognose.

Ajustamento terá de continuar durante décadas, exige o esforço de uma geração
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Ela não é ainda radicalmente diferente do que representou no século XIX o romance de Camilo, de Júlio Dinis ou Eça de Queirós. Destes três exemplos, acaso e contrariamente a uma tradição estabelecida, o mais realista (quer dizer aquele que possui o maior grau de autognose vivida) é o de Júlio Dinis... O Portugal do século XIX parece-se mais (por dentro e até por fora) com o de Júlio Dinis do que com o de Eça. Mas só se parecerá consigo mesmo quando o olhar com que se fixará for como é, por exemplo, o caso da literatura e sobretudo do cinema norte-americano — e na Europa, do italiano —, o olhar mesmo do português, ou dos portugueses com a consciência adequada da vida do país em que realmente vivem e morrem — um olhar sujeito, quer dizer, o fim de um Portugal-objecto como é hoje para todos nós, que nos ocupamos da «cultura», a realidade portuguesa.

Eduardo Lourenço,
texto publicado na revista Abril em Março de 1978 e em 2000 no livro O Labirinto da Saudade

Política do povo, propostas para o turismo intemporal em PortugalPolítica do povo, propostas para o turismo
intemporal em Portugal

Este projecto é sobre a construção da identidade de Portugal, das identidades, das iconografias, dos códigos, da retórica simbólica do período do Estado Novo até ao presente democrático: o espaço geográfico, assinalado por um Padrão; as variações percentuais numa curva sobre um plano cartesiano de forma a explicitar as propriedades de uma função; a história vendida como publicidade enganosa, perdida numa caixa electrónica de spam, mentira histórica reduzida a lixo electrónico. Monumentos nacionais da incontinência patriótica! A identidade política, a identidade turística, a identidade internacional: “Portugal não é um país pequeno”.

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